quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O segurança


Há tempos ia para sair do parque de estacionamento de um centro comercial. Já era tarde. Tinha ido ao cinema e ainda dentro do parque por entre os pilares, à procura da saída sou obrigado a parar o carro para que o segurança, munido de um walkie-talkie passasse, muito devagar, a pé e com um olhar altivo e agressivo, como quem diz “Aqui quem manda sou eu, vai lá devagarinho sim?”. Ainda pensámos em sair do carro e ir sová-lo violentamente. Mas não. Deixámo-lo ir com as suas certezas e arrogâncias. Por outro lado e na via pública um condutor terá achado que o peão estava a demorar muito a atravessar a passadeira e pum! Deu-lhe um tiro nas pernas. As circunstâncias que ditam os acasos da vida têm caprichos e coincidências que obrigam à existência de um Deus para justificar determinados actos. É impressionante. Tal como a questão do ovo e da galinha, o mesmo se aplicaria a Deus e ao Homem. Qual deles nasceu primeiro? Adiante.

Uma pessoa nasce, cresce, estuda, tem um projecto de vida e de repente e por uma mera necessidade de sobrevivência arranja um emprego como segurança. Recebe umas calças da cor x e uma camisola da cor y. Aos ombros coloca umas bandas coloridas e já está. Ser segurança é uma profissão que deve dar alguma sensação de poder, não sei, julgo eu. Há várias espécies de seguranças que vão desde aquele que olhamos para a sua cara e olhar e pensamos que mais valia acabar com a própria vida a entregá-la ao seu cuidado. Ou aquele enorme e com um ar maquiavélico que nos inspira um terror profundo no caso de nos olhar nos olhos. Ou o que está à porta da repartição de finanças, ou do centro de saúde e que não fazendo outra coisa senão verificar o mau funcionamento da orgânica passa a fazer parte da própria substituindo inclusivé a recepcionista quando ela vai beber um cafézito. Enfim... Por vicissitudes da vida e inerência da sociedade em que vivemos há-os de todas as cores e feitios.

Em tempos geri uma discoteca. Os seguranças cumprimentavam-se com beijos na cara, tipo filme mafioso. Vestiam-se de preto e tinham um ar tenebroso. Talvez haja uma relação entre a cor da indumentária e a sua capacidade para de facto poder “segurar” o que quer que seja. É curioso. Certo dia um grupo de rapazes quis entrar na discoteca mas foram-me dadas ordens para que eles não entrassem. Eram os seguranças contra os rapazes, ciganos, viris. Antes que aquilo desse para o torto eu saí para a rua para conversar com eles. Vi-me rodeado por um grupo de testosterona prestes a explodir e curiosamente os seguranças lá dentro a espreitar. Não morri nessa noite, nem nada aconteceu. Foi um golpe político em que a relação de forças se geriu a ela própria sem necessidade de derramamento de sangue. Uma espécia de revolução dos cravos. O certo é que eles não entraram e os seguranças não tiveram de demonstrar os seus dotes de dar murros e pontapés a velocidades impossiveis de detectar pelo olho humano.

Ser segurança é um posto. Está-se ali entre o funcionalismo público e o agente da autoridade sem ser nem uma coisa nem outra. Mas não deve ser mau ser-se segurança. Deve dar assim uma espécie de sensação de autoridade do género “Onde é que vai?” ou “Faz favor” ou então nada, ficam ali pasmados, a olhar. Horas a fio... credo!

Beijinhos e essas coisas,

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O jornalista


“Jornalismo é a actividade profissional que consiste em lidar com notícias, dados factuais e divulgação de informações. Também define-se o Jornalismo como a prática de coletar, redigir, editar e publicar informações sobre eventos atuais. Jornalismo é uma atividade de comunicação. Ao profissional desta área dá-se o nome de jornalista. O jornalista pode atuar em várias áreas ou veículos de imprensa, como jornais, revistas, televisão, rádio, websites, weblogs, assessorias de imprensa entre muitos outros.” – wikipédia.

Ser jornalista é ter a possibilidade de tornar publica uma notícia, opinião ou comentário. Ser jornalista também passou a ser “picar” notícias de outros orgãos de informação ao invés de fazer jornalismo. Para isso veio em muito contribuir a internet. Ser jornalista em Portugal parece que é uma espécie de filtro daquilo que podemos ver em directo antecipadamente em outros orgãos de informação na tv por cabo. Salvo raras excepções que as há felizmente tem sido isso que temos constatado, nós os anormais ou normais como queiram.

O tempo vai passando e com a idade as pessoas mudam. As opiniões das pessoas podem mudar. É possivel ver alguém que antes defendia a cor preta, com os anos, passar a defender a cor branca. Não é grave. É a dinâmica da vida e da experiência acumulada. Alguns nunca mudam, mas outros mudam. E é giro. É a verdadeira democracia. Também há os radicais. Nunca mudam e extremam as suas posições mas o factor sobrevivência pesa mais com o acumular dos anos. Deve ser por isso que os suicidas/bombistas nunca são velhos, faz sentido.

Ora actualmente não se pode ser livre quando se é jornalista. Um jornalista livre é uma espécie de terrorista e nenhum orgão de informação quer ter um terrorista como colaborador. O jornalista/terrorista parece que foi afectado por um vírus e passou a ver as coisas de outra maneira. O jornalista/terrorista nunca escreveria:

“Na corte em Londres, a advogada Gemma Lindfield, atuando em nome da polícia sueca, disse que uma das supostas vítimas acusa Assange de tê-la forçado a fazer sexo com ele sem camisinha. A mesma mulher acusa Assange de, alguns dias após o incidente, tê-la molestado de forma a "violar sua integridade sexual". Uma segunda mulher acusa Assange de ter feito sexo com ela, também sem preservativo, enquanto ela dormia, em Estocolmo. Na Suécia, esse tipo de crime pode levar a condenações de até seis anos de prisão. Assange ficou preso por uma semana após se entregar para a polícia britânica.” – Reuters.

Por outro a mesma fonte - Reuters, informou que Silvio Berlusconi financiou com dinheiros publicos orgias com mulheres lindíssimas pagas a peso de ouro. Assange não usou camisinha ao fazer sexo com duas mulheres e foi preso, o outro ganhou novo mandato para ser presidente de Itália. Extraordinário! Se o jornalista fosse terrorista procurava a verdade. Não sendo limita-se a constatar factos. E agora querem uma Ordem. Já parecem os advogados. É curioso.

Talvez eu seja cidadão/terrorista. hihihihi

Beijinhos e essas coisas,

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O velho


Há tempos o meu filho Manuel virou-se para mim e assim do nada disse “Ó pai já és velhinho”. O Manuel sem que o percebesse colocou-me num mundo diferente daquele que eu conhecia até então. Nesse dia passei a ser velho. E isto com 40 anos mais coisa menos coisa. Lembro-me que foi num dia em que não tinha feito a barba e ela, a barba, está de facto quase toda branca.

Fui ao dicionário ver o que é velho. Vi vários. Não me pareceu que quisesse admitir ser o que estás escrito nos vários dicionários que vi. Ao que parece e ficou-me essa sensação de tudo o que li ser velho é uma condição à partida má. Ser velho é estar acabado. Pelo menos foi o que senti das várias descrições que li. Não! Recuso-me a transcrever como tem sido hábito, o que li. Recuso-me a ser aquilo que a sociedade diz que é ser velho. Talvez o venha a aceitar melhor um dia destes, mas agora não.

Assim de repente lembro-me de dois velhos que por razões diferentes estão muito em voga, o Pai Natal e o Dinis. Sei lá! Isto anda de tal maneira que das duas uma ou está tudo maluco ou sou eu de facto que já não acredito em nada. Mas se por um lado não querem que eu me esqueça do Pai Natal por outro não quero esquecer o Dinis. Julgo já ter escrito que o Pai Natal é um produto de marketing inventado pela Coca-Cola com o objectivo de vender o dito refrigerante no Inverno pois antes disso as pessoas só o bebiam no Verão. Resultou em pleno. Já o Dinis coitado, só é conhecido cá por ser pedófilo/médico/pediatra e anda a ver se cai no esquecimento. Têm os dois barba branca e gostam os dois de ter criancinhas sentadas ao colo. É verdade! Um foi inventado, o outro anda por aí. Um queremos à viva força que exista, o outro queremos esquecê-lo. Um representa aquilo que desejamos para as crianças o outro recusamos-nos querer vê-lo. É curioso.

Pois eu estou de facto a ficar velho. E o que é que me diz a mim este novo estatuto? Diz-me logo de imediato que ser velho é um posto (giria militar). Diz-me que ser velho é ter experiência. É ter passado por coisas que ao olhar para trás nunca imaginei que fossem assim que se passavam. Muitas vezes, ainda novo, comentei imensas coisas, que hoje só não me envergonho porque as compreendo como terem sido ditas por alguém que não tinha experiência da vida. Por alguém que era novo. Por alguém, no meu caso, curioso e cheio de energia para dar e vender. Estou a ficar velho e quanto mais velho me sinto mais consigo sorrir. Mais consigo olhar para trás e perceber que hoje sou de facto a soma das partes que são todas as experiencias que já vivi, comi, cheirei, ouvi, senti, pensei e outras coisas acabadas em i.

Se por um lado tenho alguma nostalgia por já não ser novo, estou curiosissimo em relação ao que é ser velho pois para mim ser velho é ter experiência, é saber, é conhecimento, é amor. Ser velho é já ter dito aos meus filhos que um dia façam eles as escolhas que fizerem têm de me dar o prazer de ter netos para, como o Pai Natal, os sentar ao meu colo e ver na carita deles os olhos esbugalhados com o mundo que os rodeia e esperar pelas perguntas deles. E eu terei de lhes contar a verdade sobre o Pai Natal e o Dinis.

Eu desejo ser velhinho Manuel. É uma condição da vida. E agradeço-te a forma como mo disseste. Amo-te.

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O oportunista


Oportunismo - Atitude daqueles que preferem contemporizar, para atingir um fim, aproveitando-se das circunstâncias oportunas. Sistema ou prática política, que consiste em aproveitar-se das circunstâncias ou acomodar-se a elas para tirar proveito.

Há tempos pensei em candidatar-me ao desafio “Novas Oportunidades”. Afinal com a minha idade julgo já ter acumulado experiência suficiente para obter o certificado que diz que sem frequentar a escolaridade obrigatória, possuo no entando qualificações e formação que me permitem obter o diploma do 12.º ano de escolaridade. Não sendo justo para aqueles que tiveram de estudar para o obter é uma medida meritória... em teoria.

Dirigi-me a uma escola em Oeiras e falei com a psicóloga encarregue do projecto. Percebi entre outras coisas que tería de escrever a história da minha vida em folhas A4, só num dos lados, que cada folha teria de estar dentro de uma mica individual e que o dossier tinha de ser um específico daqueles tipo arquivo com um buraquinho para se poder puxar de dentro da capa. Ela até me mostrou em exemplo de alguém que se tinha candidatado e tinha conseguido obter o diploma. Um dossier azul que tinha na capa uma pombinha bordada e colada com cola transparente.

Na mesma altura resolvi candidatar-me ao IPAM – Instituto Português de Administração e Marketing. Tería de pagar mais ou menos 15 mil euros por três anos divididos em seis semestres. Para a entrevista e exame paguei 160 euros. Fiz o exame de admissão e lembro-me de responder a todas as perguntas numa só resposta. Não tendo sido informado da avaliação do exame, apenas me foi dito que tinha sido aceite. No dia em que fui fazer a última entrevista a senhora que me recebeu e entrevistou sabendo que eu tinha trabalhado em jornais, sentindo alguma empatia, informou-me que iría ser a minha professora de Relações Interpessoais nos dois primeiros anos. Nesse dia saí da faculdade e não voltei lá. Metade dos dentes que a professora tinha na boca estavam num péssimo estado de conservação para não dizer podres. Foi demais para mim.

Voltei a ser contactado pelas “Novas Oportunidades”. Tinha ficado suspenso na minha cabeça, pois eu não poderia competir com bordados. Não que não o consiga fazer se me empenhasse mas porque senti que alguma coisa não estava correcta. Voltei munido do meu dossier sem nada na capa e com todos os diplomas e certificados que fui acumulando ao longo da vida, que eu não sou de ficar parado. A psicóloga não era a mesma, mas entretanto ocorreu-me uma ideia que tentei levar avante sem sucesso com a Associação de Estudantes da Faculdade de Comunicação Social - estaría na disposição de pagar 500 euros a quem escrevesse a minha história de vida – tipo entrevista. Ninguém repondeu. Perguntei, portanto, à psicóloga se ela estaría na disposição de a escrever, a troco da mesma quantia. Ela disse que não.

Desisti das “Novas Oportunidades”. Enfim, não se pode dizer que não tenha tentado. Sería interessante com tantos universitários a mais, que eles pudessem colaborar no sentido de melhor ajudar a compreender o objectivo e com o seu conhecimento providenciar um melhor documento sobre a vida dos eventuais candidatos. Não sei, digo eu. Agora sou considerado um empresário de sucesso. Não deixa de ser curioso.

Beijinhos e essas coisas,

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O político


“Político é um indivíduo activo na política de um grupo social. Pode ser formalmente reconhecido como membro ativo de um governo, ou uma pessoa que influencia a maneira como a sociedade é governada por meio de conhecimentos sobre poder político e dinâmica de grupo. Essa definição inclui pessoas que estão em cargos de decisão no governo, e pessoas que almejam esses cargos tanto por eleição, quanto por indicação, fraude eleitoral, hereditariedade, etc.”

Há tempos vi-me numa situação complexa. No mesmo ano, a mãe dos meus filhos resolveu (e muito bem, vejo isso hoje claramente, mas na altura não) divorciar-se de mim. Quando ela se foi embora, e como é natural levou os filhos com ela. Aquilo foi um calvário emocional. Cheguei a julgar que não aguentaria. Credo, o estado a que um homem chega por vezes ao ser incapaz de gerir determinadas emoções com friesa e racionalidade.

Nesse mesmo ano também, mais coisa menos coisa, fui “convidado” a sair do jornal onde trabalhei nove anos como designer/paginador. Gostei de lá trabalhar até ao dia em que as coisas não começaram a ser favoráveis para o meu lado. O facto de eu dizer o que penso tem-me prejudicado. Mas o que hei-de eu fazer? Eu tento mas não está na minha natureza ficar calado. Também tive de pôr à venda a casa que tinha estado a remodelar com o intuito de ir para lá habitar com a mulher e filhos. Vi-me e desejei-me para a vender. Levou dois anos. Se o que não mata faz crescer então esses foram os anos dourados do meu crescimento. Já passou. Hoje sou feliz.

Ora foi por essa altura que um amigo me deu a mão. Foi ótimo, esse amigo. Esteve ali para mim. A dar-me do seu tempo para me escutar e dar algum conforto e até algumas sugestões que eu ía seguindo mais ou menos à letra. Ele também se tinha divorciado e sabia pelo que eu estava a passar. Costumávamos sair todos juntos nos fins de semana em que eu estava com os meus filhos. Ele também tinha um filho e por isso era giro e agradável para todos. Lembro-me dele muitas vezes. Porque eu estava desempregado na altura, ele tentou ajudar-me. Ora quando um homem está numa situação daquelas às vezes não vê com clarividência. Quer dizer não vê nada, deixa-se levar, confia. Acredita nos amigos, neste caso, neste amigo.

Um dia à porta da casa dele, de noite, e depois de muito insistir, que eu não sou dessas coisas, quase que me obrigou a aceitar uma oferta. Um homem desesperado e emocionalmente combalido aceita coisas estranhas. Assim foi. Enquanto eu esperei à porta do prédio e pensava na sorte que tinha em ter aquele amigo, ele subiu e desceu. Passados alguns minutos assinei de cruz um documento em branco que me abriria as portas para um vasto mercado de trabalho com dividendos excepcionais. Filiei-me no Partido Social Democrata. Calhou. Podia ser um qualquer partido. Durante três anos pertenci ao PSD. Recebia cartas a convidarem-me para jantares a que nunca fui e até tinha um cartão de sócio cor de laranja. Um dia abri uma das cartas que me felicitava por ter as cotas todas em dia.

Cotas???? Quais cotas? Liguei para lá e perguntei à senhora que me atendeu, depois de lhe dizer qual era o meu número de sócio, “Veja lá se tenho as cotas em dia?”, e ela confirmou que sim. Nesse dia percebi que o meu amigo, ou alguém, durante três anos, pagou as cotas por mim e, nesse dia e nesse telefonema, eu cancelei a minha filiação no único partido político a que pertenci na vida. Se há algo de que fujo como o diabo da cruz é pertencer a grupos obtusos.

Ainda bem que nunca me deram nem nunca me chamaram para qualquer trabalho, talvez tivesse aceite, não sei, talvez não. Nunca mais soube desse amigo mas sei que anda nas lides da política. Ele lá sabe.

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O banqueiro e o bancário


Há tempos fui ao dicionário ver o significado de banqueiro. Tenho tido esta estranha necessidade pois tenho-me confrontado com palavras, termos, estrangeirismos, adaptações e sei lá mais o quê que me fazem ficar desnorteado em relação a palavras ou conceitos que já foram obvios para mim mas que curiosamente, ou não, nestes ultimos anos têm ganho outros significados. Não sei, talvez tenha a ver com a linguagem informática.

Pois bem, banqueiro significa entre outras coisas - “O que faz negócio de banco, o que executa operações bancárias. Proprietário ou director de uma casa de banco particular. Homem rico, capitalista. O que tira as cartas e tem dinheiro para pagar aos parceiros no jogo da banca e em outros”. Depois fui ver o que significa bancário - “Indivíduo empregado em banco de comércio; funcionário de banco”. Também pensei em ir ver o que significava capitalista e empregado e fui, mas não me vou estender por agora. É exaustivo e não é isso que pretendo. Mas é giro voltar à estaca zero.

O porquê desta minha curiosidade tem a ver com o facto de ter perguntado a um empregado bancário se o patrão dele, o banqueiro, me podia emprestar dinheiro para um projecto que pretendo levar àvante. Fui ver o que significa emprestar - “Entregar, dar alguma coisa a alguém para que use dela durante certo tempo, com a obrigação de a restituir ou volte ao seu equivalente, sendo ela dinheiro ou artigo consumível”. Mas claro que um empréstimo bancário significa outra coisa, significa que é feito mediante determinadas condições que eu aceitarei ou não. Ou, neste caso, e depois de dar todos os meus dados e referências sociais e pessoais, o bancário vai perguntar ao banqueiro se eu sou ou não digno de confiança. Se for o caso até tenho de dar o nome de alguém que cubra o valor em questão caso eu não cumpra com o acordo. Enfim... Se chegarmos a acordo eu e o banqueiro iremos formular um contrato. Sendo o bancário o intermediário.

Desta vez irei, se me apetecer, ler todas as letrinhas que o banqueiro obriga o bancário a escrever para que o contrato se efectue. Irei munido de uma enciclopédia digital para conseguir conversar com o bancário pois não estou familiarizado com termos como Activos Tóxicos (instrumentos de investimento baseados nos Subprimes, que se tornaram ilíquidos), ou TAE (Taxa Anual Efectiva), ou TAEG (Taxa Anual Efectiva Global), ou TAN (taxa de juro anual nominal), ou TANB (taxa anual nominal bruta), ou TANL (taxa anual nominal liquida), ou o Spread (taxa cobrada pelos bancos na concessão de empréstimos além do indexante, onde se reflete, o perfil de risco do consumidor. Esta é a margem de lucro das instituições e o nível de risco dos clientes. Quanto maior for o risco do cliente não conseguir pagar o empréstimo ao banco maior será o “spread” aplicado), e por aí fora. Espero não me arrepender de vender a alma ao diabo.

Há tempos o meu irmão pediu-me algum dinheiro emprestado. Creio que foi para um negócio qualquer que ele lá terá feito. Depois devolveu-me o dinheiro. Simples. O meu dinheiro voltou para o cofre e o meu irmão lá fez o negócio. Dormimos os dois lindamente. Já o banqueiro, enfim, e o bancário então... é um desgraçado que para ali anda.

Beijinhos e essas coisas,

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

As Ordens


Há tempos tive a felicidade de ver na televisão algo curioso – o apresentador de televisão Manuel Luis Goucha a entrevistar o Bastonário da Ordem dos Advogados António Marinho e Pinto num programa chamado “De Homem para Homem” no canal TVI. Devia ter gravado aquela entrevista. Talvez a consiga ir rever na internet pois ficou-me no coração a sensação de estar a ouvir dois homens livres. Repito, sensação.

Tenho pelos dois uma grande admiração por motivos diferentes, claro. Mas acima de tudo porque se um se mantem fiel à sua vocação de apresentador televisivo o outro é fiel à justiça e ao que ela implica... espera! ...bastonário da Ordem?... O que é isso, Ordem? Farto-me de ouvir falar nas Ordens. Dos advogados, dos engenheiros, dos farmaceuticos, dos médicos, dos psicólogos, dos arquitetos, ordens disto e ordens daquilo, mas o facto é que não sei o que é que quer dizer. Antes de ir pegar no dicionário sinto que Ordem é uma sociedade, uma espécie de organização secreta feita de pessoas que defendem exclusivamente os seus interesses. Isto é o que sente o meu coração. Claro que a cabeça me diz que não. Que as várias Ordens que vou conhecendo são de facto grupos de pessoas que obedecem a determinadas regras. Enfim... a minha cabeça com os seus ouvidos ouve coisas que depois o coração não compreende pois ele sente outras coisas. É estranho mas o que hei-de eu fazer? Adiante.

Peguei no dicionário, como dizia e... credo... se calhar é melhor ir buscar o de bolso, pensei. O Dicionário de Morais que está em casa da minha mãe tem três páginas em letra miudinha sobre o que é a ordem e o seu significado. Levei mais ou menos vinte minutos e ler aquilo com calma. Precisa de muita explicação. É curioso. Acaba por ser um bocadito dubio tantas são as possiveis interpretações. Aqui fica um registo - “Espécie de classe de honra instituida por um soberano ou autoridade suprema para recompensar o mérito pessoal”, mas há mais, muito mais. Fico com a ideia de que as Ordens são um conceito antigo baseada em valores altruistas. Não diz lá mas é um resumo meu. No entanto e a finalizar diz o seguinte e aqui fica também o registo - “Nova Ordem, designação com que os ditadores alemão Hitler e italiano Mussolini aplicavam, aos países invadidos pelos seus exércitos durante a Segunda Guerra Mundial, um regime de opressão e expoliação económica que em nada diferia da ocupação pura e simples sem limites nem códigos”. Vá-se lá entender, se um homem mata alguém é um assassino, se um homem mata milhões é um conquistador.

Para se fazer parte de uma Ordem, seja lá o que isso signifique portanto, é preciso prestar provas de que se pode fazer parte dessa Ordem. É uma espécie de mérito por serviços prestados. Pois a dada altura dessa interessante entrevista o Bastonário da Ordem dos Advogados diz entre outras coisas que na Ordem que ele representa há muitos criminosos... Tal como o Goucha, também eu fiquei ainda mais alerta, só que, como era o Goucha o entrevistador, perguntou ele: -“Então mas isso significa que não podemos confiar na justiça? Significa que não podemos confiar nos advogados que supostamente nos deveriam defender?” Não sei se foram estas as palavras mas foi algo parecido. E o Marinho Pinto ajeitou-se na cadeira e disse que sim. “Sim. Não podemos confiar na nossa justiça”.

Ora bolas! Dito pelo Bastonário da Ordem dos Advogados significa que... espera... não pode ser. Tou tramado! Assim de repente lembrei-me do... como é que ele se chama? Ai, espera... o da Casa Pia... Di não sei quantas. Enfim. São uns quantos.

Beijinhos e essas coisas,

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Estou melhor cá dentro


“O Homem é a sua liberdade e está condenado a ser livre” - Jean-Paul Sartre

Há tempos fui ao Estabelecimento Prisional. Costumo lá ir por causa de um projecto que desenvolvo em parceria com aquela instituição. É giro. Tem-me dado para ver coisas que de outro modo nunca veria, como por exemplo a relação extraordinária que existe entre as pessoas que guardam as pessoas que estão “guardadas”. Aquilo não é fácil. Às vezes sinto no ar energias estranhas. Energias que só me lembro ter sentido quando cumpri o serviço militar obrigatório e que aparentemente não tem nada uma coisa a ver com a outra.

Pois um dia estava eu dentro da prisão, em trabalho, claro, e quando digo dentro da prisão é mesmo lá dentro. Atrás das grades. Atrás das portas que se abrem e fecham com chaves enormes, de ferro. Agora já estou mais habituado mas ao princípio foi uma experiência intensa. É sempre assim. Um novato é um novato. É sempre posto à prova. Nunca me senti ameaçado, mas nunca estive sem acompanhamento constante. Ouvi de tudo nos primeiros dias. E não foi só naquele estabelecimento prisional, não senhor. No dos homens também ouvi. Credo. A imaginação aliada aos documentários que se vão vendo na televisão fazem-me temer o pior se por agum infortunio me visse com o corpo atrás das grades. Adiante...

Ora como dizia e por causa do tal projecto, estava eu no que é chamado o “Atelier de Costura”. Estão lá mulheres portuguesas, argentinas, columbianas, brasileiras, chinesas - estas distinguem-se pelo silencio e velocidade de trabalho. Há de tudo um pouco, como na vida. Umas mais velhas outras mais novas, e enquanto eu conversava com a guarda responsável acerca do estado do país, do governo, da justiça, dessas coisas todas que eu e ela vamos sentindo um pouco na pele aqui e ali, por isto ou por aquilo, eis que vindo assim do nada, uma das mulheres que estava a costurar mas pelos vistos atenta à nossa conversa, comenta sem tirar os olhos da máquina, e não há aqui uma tentativa de romancear a coisa, foi assim tal e qual, nem olhou para nós... - “Pois eu estou melhor cá dentro! Pelo menos aqui ninguém me chateia.”

Desde que iniciei o tal projecto que imaginei um dia poder ouvir dizer algo do género. Mas dito assim das duas uma, ou aquela pessoa tinha uma vida miserável antes de ser presa (não era o caso que eu soube) ou de facto a vida “lá fora” está tão corrompida que a cadeia serve para não deixar sair, mas também para não deixar entrar as misérias que se passam na democracia livre em que vivemos.

Ainda hoje me ecoa na mente. Não foi dito com raiva nem nada. Mas como disse Laborinho Lucio na entrega do Livro “Para Além da Prisão” do Ministério da Justiça, aquela mulher está “momentaneamente privada da sua liberdade” mas mantém os seus deveres, obrigações e direitos. Vá-se lá entender, o enclausuramento involuntário é estranhamente parecido com o voluntário. E neste momento de tantas incógnitas sobre o futuro da sociedade ouvir um comentário assim... não sei. É estranho...

Beijinhos e essas coisas,

sábado, 23 de outubro de 2010

Os cinco dedos


Há tempos e à conversa com uma amiga que soube recentemente que está grávida percebi que nunca irei compreender a Mulher. Nem eu nem uma data de homens que escrevem sobre elas, escreveram ou hão-de continuar a escrever. Não que me farte de tentar entender o lado feminino que confesso também ter no meu ser, mas porque por vezes sou confrontado com questões curiosas que me fazem voltar à estaca zero do que eu pensava já saber sobre a Mulher.

Eu idolatro a Mulher. A Mulher para mim é o centro do mundo. Por mais que eu escrevesse, pintasse, cantasse, fizesse o que quer que fosse nunca me fartaría da Mulher. A Mulher tem algo que a faz ser única, como todos os seres vivos que geram vida - a Mulher gera vida. Dê lá por onde der, faça ela o que fizer a criação de vida começa dentro do corpo da Mulher. E isso, para mim que sou curioso, deixa-me de rastos. Nunca irei na minha vida experimentar essa sensação. Carregar no ventre, dentro de mim, outro ser humano. É simplesmente fascinante. Adiante... sou homem.

Mas essa minha amiga, escrevia eu, a dada altura da conversa que estávamos a ter, já não me lembro bem porquê, refere o facto de ter algum receio que pudesse ter posto em risco a boa formação do ser que está a gerar pois sem que o soubesse teve de tomar analgésicos por causa de uma pequena cirurgia no primeiro mês de gravidez. E por causa disso a conversa avançou comigo a dizer-lhe que não fosse parva, que não pensasse nisso e essas coisas faceis de dizer a quem está de fora, claro! Mas a dada altura, fez-me recordar a mãe dos meus filhos que no dia em que a Maria nasceu, quando a vi pela primeira vez deitada ao lado da mãe, assim pequenina, toda enrugada e meia cinzenta, mas igualzinha à mãe (parecia a sua fotocópia reduzida), me pergunta assim do nada: - “Quantos dedos tem nos pés? Já contaste?”

Se estás a ler e és homens talvez nunca te passasse pela cabeça tal questão mas curiosamente e pelo que percebi da conversa que tive com essa amiga, é corriqueira essa duvida e preocupação em algumas mulheres que dão à luz. Mesmo depois de fazerem várias ecografias e saberem que está tudo bem, pelos vistos, e talvez pelo enorme esforço e dor por que passam no acto de parir, fixam-se na quantidade de dedos que aquele novo ser possa ter nos pés. É curioso... Vá-se lá entender. É que podiam perguntar quantos narizes têm, ou se tinha três orelhas, ou três nadegas, mas não! Ao que parece a preocupação mais corrente é saber a quantidade de dedos dos pés.

Eu como homem e pai nunca me ocorreria uma coisa dessas. No meu caso e não serve de exemplo, soube que os meus filhos eram perfeitos antes de nascer. Era impossivel que não o fossem. E digo perfeitos para mim. Talvez não sejam perfeitos para todos. Mas para mim são. Mas soube-o de facto no dia em que lhes peguei ao colo. Lá me ocorreu pensar se tinham cinco dedos ou o que quer que fosse! Que coisa tão parva!

É por essas e por outras que continuarei a tentar entender a Mulher sabendo de antemão que nunca a irei entender. E provavelmente é por isso mesmo que ela me fascina. É um poço de surpresas. O mundo sem a Mulher seria com toda a certeza uma tristeza profunda e infinita... Credo!

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O logótipo MSC


Há tempos estava sentado numa estação de combóios no Porto ou lá perto e vejo sentada num banco ao lado uma senhora parecida com a minha avó Alice. É curioso como há um tipo de senhoras parecidas com a minha avó Alice. Também há outras parecidas com a minha avó Elvira. Mas esta é parecida com a avó Alice. Gosto de observar. É um hobbie meu. Observar. E de repente percebo que era nem mais nem menos que a Filipa Vacondeus. Aquela senhora que a dada altura da minha vida aparecia na televisão a falar sobre culinária. Como ela me faz lembrar a minha avó Alice. Olha que se calhar até foram amigas. Sei lá. Parece mesmo.

Fui direito a ela. Nestas coisas eu não me envergonho. Se ela me “incomoda” enquanto estou a ver televisão em minha casa certamente não levará a mal se eu a incomodar para lhe dizer pessoalmente como a admiro. Assim foi. Só que em vez de lhe perguntar cordialmente se ela era a Filipa Vacondeus, enganei-me e perguntei-lhe se ela era a Maria de Lurdes de Modesto... Estraguei tudo. “Essa é a outra!” – respondeu ela. Ora bolas! Às vezes mais valia estar quieto. Ainda lhe disse que ela me fazia lembrar a minha avó. Pior a emenda que o soneto. Não se diz uma coisa dessas a uma mulher tenha lá ela a idade que tiver. "Olhe! Você é parecida com a minha avó." - que ainda por cima já morreu há uma série de anos. Adiante.

Num jornal semanal de referência do qual não direi o nome mas que tem uma revista chamada “REVISTAÚNICA”, reparo em duas páginas – a 100 e a 101, com um artigo sobre culinária. As revistas gostam desse tipo de artigos. É assim uma espécie de momento relaxante, uma espécie de tentativa de empatia com o leitor, uma bica depois do almoço. “Eles” sabem-na toda. Ora quem escreve esse artigo é nem mais nem menos que um rapazito chamado Jamie Oliver... Espera! A ver se eu percebo. Com tanta história culinária que temos. Com tantas freiras a fazer doces conventuais. Com tantos pescadores a cozinhar peixe fresco. Com tantos Micheles e Marias de Lourdes Modestos. Com tanta gente a fazer coisas tão boas e tão saudáveis à vista, ao olfato e ao palato. Com tanta mestria popular para elaborar pratos simples mas com aromas tais que nos fazem sonhar com Portugal, estejamos até na lua. Com tantas misturas de sabores trazidos dos quatro cantos do mundo...

... em destaque e sobre a foto que ilustra uma mistura qualquer que ele para ali inventa com maçã cozida, passas, flocos de aveia semi-crus, sementes de girassol, iogurte e outras coisas que se vendem empacotadas e que cá se dão aos hamsters, enfim... Como dizia, em destaque, assim tipo um postite amarelo sobre a foto, ele escreve o seguinte, e pasme-se que foi traduzido, revisto e impresso... valha-me deus nosso senhor, que não tem nada a ver com o assunto, mas de facto já não há mais a quem recorrer: “As dicas de Jamie - É importante para mim (diz ele) consumir peixe de viveiros de qualidade. O que devo escolher? Procure o logótipo MSC nas embalagens de peixe. O Marine Stewardship Council só certifica peixe proveniente de viveiros e tanques de qualidade”... O Marine o quê???

Caro Nicolau Santos: conhecemos-nos à vários anos. Dez? Quinze? Sei lá. O tempo passa. Peço-te que não permitas estas coisas no “teu” jornal. A sério pá. Em nome dos meus filhos não faças o que outros fizeram com o PÚBLICO, por exemplo. Sê diferente. As pessoas não são parvas. Com tantas coisas boas em Portugal não permitas que na “tua” revista se publiquem receitas como “Crumble crocante de maça e canela” ou “Creme de ovos com uísque”... Uísque, pá! Lê lá isto em voz alta – UÍSQUE ... Valha-me todos os poderes do universo.

Só me lembra o Medina. Isto só lá vai à chapada. Credo.

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ser profissional


“Aquacultura ou aquicultura é a produção de organismos aquáticos para uso do homem. A maricultura refere-se especificamente a aquicultura marinha, enquanto a piscicultura refere-se ao cultivo de peixes principalmente de água doce.”

Há tempos fui ao supermercado Continente comprar duas douradas. As douradas distinguem-se em três tamanhos - pequenas, médias e grandes. Li na revista Pró-teste que as de aquacultura são melhores que as de mar. Concordo.

Tirei uma senha para “peixe amanhado”. Pressupõe que vão tirar as escamas e as tripas. Chegou o meu número - 49. Sorri para a senhora – pela vestimenta – peixeira. Perguntei-lhe qual era a diferença entre as douradas que estavam do lado direito do balcão e as douradas que estavam do lado esquerdo. Respondeu-me que as da esquerda eram de água doce e que as da direita de água salgada.

“As douradas habitam os mares tropicais e temperados (nas partes mais quentes), sendo relativamente abundantes no Mediterrâneo e Atlântico, na costa portuguesa.”

De água doce? - perguntei. Mas olhe lá, as douradas não vivem em água doce! - retorqui. Ao que ela respondeu que aquelas vivem. Eu não queria acreditar, estava a ser atendido por alguém que não compreende a enormidade da impossibilidade da sua resposta. Entretanto uma outra senhora vestida também de peixeira e que amanhava outro peixe ía ouvindo a conversa. Eu olhei para ela e perguntei-lhe – Desculpe. As douradas vivem em água doce?... Ela sorriu.

Enquanto a primeira ouvia a explicação da segunda fui informado que as douradas não vivem em água doce mas que a água onde elas são criadas é doce. E que depois de se acrescentar sal é que se colocam lá as douradas. Tanques com água doce ao qual se adiciona sal para criar douradas? Com tanta água salgada? Aqui há gato. Calei-me. Foi imperativo. Esta mania que eu tenho de meter conversa com as pessoas... Trouxe as douradas amanhadas, grelhei-as e estavam ótimas.

A questão da peixeira e do que ela sabe sobre as douradas é impressionante. Alguém a admitiu para ocupar aquele posto de trabalho. No entanto ela tem, com a vestimenta que lhe deram, todo o ar de uma profissional altamente competente. E é assim... Ao que parece existe para aí um monte de gente que está a ocupar lugares para os quais não estão bem preparadas. Nós sabemos isso. Elas sabem isso. Nós sabemos que elas sabem. Elas sabem que nós sabemos e pronto. É uma fórmula muito bem conseguida em que não há responsáveis. Mas há-os que eu sei. E eu também sei onde é que eles estão. É só uma questão de tempo. Se não for à paulada há-de ser pela ordem natural das coisas, hão-de morrer. O que me preocupa no entretanto é que os próximos são iguaizinhos ou ainda mais pedantes.

Tantas vezes me lembro do Saramago e do seu “Ensaio sobre a lucidez”, tantas. E nesse ninguém falou. Óbvio.

Beijinhos e essas coisas,

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Água corrente


Há tempos e sem que me lembre bem porquê o meu filho vira-se para mim e diz-me que bebe água quando está no duche a tomar banho. Quero com isto dizer que ao tomar banho ele, e tal como eu, mete o chuveiro na boca e desata para ali a beber água até se fartar. Se for como eu é até ficar cheio.

Existe uma razão prática para tal procedimento e que tem que ver com o facto de ter de se beber água pura e simplesmente. Sendo preguiçoso, creio, o meu filho aproveita o banho para beber água. Perguntei-lhe se ele bebia a água quente que saía do chuveiro ao que ele respondeu que sim, retorquindo ainda que quente ou fria não interessava, o que interessa é beber água. O Manuel tem nove anos e diz coisas impressionantes.

Beber água quente ou relativamente quente tem as suas vantagens pois o estômago prefere recebê-la quente. É uma questão de lógica. Perguntem aos chineses. Uma pessoa que pensa como o Manuel já tem incutido um sentido prático das coisas. Já tem uma lógica formada. Percebi nesse instante que o Manuel já se defende até da sua eventual preguiça.

A irmã diz que também faz o mesmo. Ora pelos vistos já somos três. Claro que a água que vem do chuveiro não é água cristalina da fonte mas há tempos os meus filhos fizeram-me um teste pois acharam que eu andava a comprar água engarrafada desnecessariamente. Encheram dois copos com água e pediram-me para dizer qual era da torneira. Eu errei. Quando apontei o copo de água como sendo engarrafada foi por adivinhação porque de facto eu não senti diferença.

Aprendo muito com os meus filhos. E reaprendo ao dar-lhes a oportunidade de me lembrarem o que já esqueci. Eu sempre soube que é um disparate comprar água engarrafada. Mas que hei-de fazer? Às vezes esqueço-me das coisas elementares. Deixo-me levar pelo consumismo e o marketing. Claro que há águas diferentes. Uma garrafa de água de iceberg a custar cinco euros o litro tem de ser diferente por alguma razão... tem de ser... cinco euros... tem de ser.

É como o gelo que vendem nas bombas de gasolina. Há tempos havia lá uns sacos de plástico dourados com cubos de gelo que tinham escrito “edição limitada gourmet”. Fui perguntar que gelo era aquele, se tinha ouro ou qualquer coisa que justificasse o facto de ser edição limitada ao que me responderam que o gelo era o mesmo. O saco é que era diferente. Ora bolas!

E assim de repente e sem perceber bem porquê ou não, lembro-me do papel higiénico. Ultimamente há por aí marcas de papel higiénico que fazem com que limpar o rabo seja uma espécie de culto. Há-os com cheiros, motivos vários ou às cores. O papel higiénico preto por exemplo, tão na moda, não limpa, espalha. E como é preto, não se vê. Digo eu, não sei. O que sei é que eles dizem que se vende aos milhões e portanto o anormal devo ser eu que teimo em lavar o rabo com água corrente... Vou falar com o meu filho.

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O colarinho branco


Há tempos e por ocasião do lançamento de um livro intitulado “Para Além da Prisão” promovido pelo ministério da Justiça, através da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, fui convidado com pompa e circunstância, com lugar marcado à frente e tudo. Eu não estou habituado a estas mordomias. Fiquei contente. Pelos vistos o meu projecto estaría a dar nas vistas na medida em que sou umas das 14 instituições da sociedade civil que trabalha em parcería com o sistema prisional.

Nessa ocasião estavam presentes várias individualidades entre elas o ministro da justiça, a directora geral dos serviços prisionais e um Senhor chamado Laborinho Lúcio. Refiro o nome desse senhor pois a dada altura e discursando para a plateia ele prevê entre outras coisas algo que me alertou para o que ele diz ser o futuro da justiça e do sistema judicial, e que na sua perspectiva os serviços prisionais teriam de se preparar para um novo tipo de “clientes” – os do “colarinho branco”.

Temos que dar nomes às coisas, claro, e neste sentido “colarinho branco” significa que são pessoas que ao serem presas terão que ter um tratamento diferenciado dentro das prisões. Isto é interessante por inumeras razões inclusivé a de que o sistema prisional diferencia à partida dois tipos de “clientes”, os "normais" e os do "colarinho branco".

O que o Senhor Laborinho Lúcio não previu no discurso que proferiu cheio de recados para todos os que o estavam a ouvir é que estava a falar sózinho ou para o ar, como preferirem. Pelos vistos as pessoas “colarinho branco” são muito renitentes a cumprirem as regras do jogo.

Senão, e não é preciso fazer um exercício por aí além complexo, ter “colarinho branco” significa ter capacidade financeira suficiente para protelar indefinidamente uma desisão de um tribunal que se fosse com outra pessoa dita “normal” era logo posta a cumprir a sentença que lhe foi aplicada. Isto não é justiça. É injustiça. Parágrafo!

Lembro-me de ouvir comentários do género “ele tem a mania” ou “quer ficar bem na foto” ou “só fala assim porque está ali o ministro”. Enfim, entre o que ele disse e os comentários que foram feitos a seguir fica algo que é um vazio enorme e que me faz pensar que o problema, a ser um problema, não está nas pessoas de “colarinho branco” mas no sistema como um todo. Afinal de contas parece existirem dois tipos de cidadãos. Os que têm e os que não têm “colarinho branco”. E isto é de tal modo verdade que nas mais altas instâncias dos que governam este país é facto consumado que terão de haver condições diferenciadas para pessoas diferentes... Impressionante.

Pelos vistos e aos olhos do Senhor Laborinho Lucio, do ministro da justiça, da directora dos serviços prisionais, dos directores das prisões, dos guardas prisionias, dos que estão presos e da grande maioria de nós há de facto dois pesos e duas medidas. Se assim não fosse e sendo a justiça cega, ao haver uma pronuncia de um tribunal ela tería de ser cumprida, imediatamente. E de facto é-o... para quem não tem “colarinho branco”, óbvio.

Beijinhos e essas coisas,

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ser humano


Há tempos recebi na minha caixa de mail a história curiosa sobre o que supostamente andam a fazer aos cães em Fátima. São duas ou três fotos de uma caixa relativamente pequena, em armação de ferro e revestida com uma rede tipo galinheiro. Lá dentro, estão vários cães amontoados uns em cima dos outros, visivelmente por falta de espaço e como é obvio em sofrimento. Talvez seja possivel uma pessoa pegar na caixa com algum esforço.

Quem me enviou o mail comenta-o com indignação e repulsa. Julgo que pelos mails que já recebi anteriormente com as mesmas imagens a verdadeira história (se for) é a de que os cães são supostamente encarcerados assim pois estão à espera, sem que o saibam, de ser abatidos. E tudo se passará não em Fátima mas algures na China.

Limito-me a observar as imagens que relatam o processo de transporte e abate de cães para depois serem esfolados, esquartejados e posteriormente cozinhados para alimentação humana. As pessoas que o fazem têm os olhos em bico o que persupõe serem chineses. Bem sei que pode não ser verdade mas que hei-de fazer? É uma mera tentativa do meu cérebro descurtinar e organizar uma determinada realidade, olhos em bico – chineses.

Não tenho nada contra os chineses. Só se eu fosse completamente idiota é que me iria aborrecer com os chineses. Talvez fosse mais fácil chatear-me com os ciganos por serem menos. Também não tenho nada contra os ciganos. Nem contra os muçulmanos. Nem contra os pretos. Nem contra os gays. Nem contra ninguém. Haverá uma ou outra excepção, mas de uma maneira geral eu vou aguentando todas essas variáveis minoritárias do ser humano, tendo em conta que para os chineses eu serei parte de uma minoria. É tudo relativo.

O meu avô, era eu pequeno, dizia-me que se os chineses resolverem espirrar todos ao mesmo tempo virados para este lado nós caímos ao mar. Ele foi veterinário para além de outras profissões e tinha “coluna vertebral”, termo caído em desuso, infelismente mas compreensivelmente. Aprendi com ele a minha relação com os animais. Tive essa sorte pois nunca o vi desrespeitar os animais na sua condição de animais que são. Hoje, não estando o meu avô presente fisicamente, está-o em consciência, na minha memória e no que ele me ensinou, mostrou e fez sentir. Chama-se educação.

Voltemos aos cães encarcerados à espera de serem abatidos. Concordo com o comentário que vinha com as imagens. De facto aquilo não é maneira de se tratar um ser vivo. Mas então e os frangos? Eu gosto de frangos. A sério. São giros, curiosos. Com aquela crista encarnada no alto da cabecita e como têm um olho para cada lado têm de andar sistemáticamente a mover a cabeça de um lado para o outro para verem em frente. Não são fáceis de educar de facto, mas há quem o faça que eu também já vi na internet.

Talvez ser humano seja isso. Uma estranha condição de colectivo, onde há bocas que comem cães e outras que comem frangos. Depois é uma questão de nos posicionarmos. É uma questão cultural e de sobrevivência... ou de gosto culinário. Sei lá.

Pessoalmente não quero acreditar mas talvez já tenha comido gato por lebre em algum restaurante chinês... ou cão.

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A mochila


Há tempos fui com a minha filha comprar uma mochila para ela levar os livros para a escola. É de uma marca estrangeira de mochilas daquelas vulgares de trazer às costas. É leve, de facto. A minha filha que é uma pessoa discreta quis a mochila num tom acinzentado se não me falha a memória. Entrámos na loja, ela escolheu-a e eu fiz o meu papel. Saquei do cartão mágico. Sim! Aquele cartão que serve para pagar sem dinheiro. Imaginem se de repente a banca ganhasse um virus qualquer generalizado e tudo deixasse de funcionar. Era o Carmo e a Trindade. Adiante.

A mochila custou quarenta a tal euros. Sim. Eu repito, quarenta e tal euros. Acham que gostei de dar tal quantia por uma mochila à primeira vista igualzinha à da loja do lado que custava só dez euros? Claro que me custou. Pessoalmente acho uma indecência. Mas, e pasme-se! A diferença é tão somente que esta mochila em concreto vem com uma garantia de trinta anos. A sério. Trinta anos. É pá! Trinta anos de garantia para uma mochila “escolar” é muita fruta. Vai servir para os netos, pensei.

Por outro lado e depois de verificar as particularidades da dita mochila, observei que as costuras são realmente fortes. Que os fechos de correr têm aparentemente uma certa robustez. Que as alças têm ar que aguentar uns bons quilos. E que o tecido com que a mochila é feito não obstante ser parecidissimo com o tecido das outras mochilas, tem de ser diferente. Tem de ser! Por quarenta e tal euros, tem de haver diferenças. Mesmo que eu, leigo na matéria no que diz respeito aos materiais usados na confeção de mochilas, não perceba nada do assunto, presumo que tem de haver diferenças. Custa-me aceitar que é só uma questão de moda e de marca. Não tenho a minha filha nessa linha de atitude social. Mas se for o caso compreendo-a lindamente.

Ela explicou-me que para a quantidade de livros que tem de levar todos os dias para a escola esta é a melhor mochila. E por falar em livros, hei-de perguntar à mãe da minha filha quanto custa o somatória de todos os livros escolares que ela precisa para este ano lectivo que vai começar. Eu que nasci no milénio passado, tinha um livro e duas sebentas. Depois com a revolução de 74 passei a ter muitos livros e cadernos (tinha dez anos à altura). E depois com o passar dos anos e com o amadurecimento da “democracia” passei a mudar de livros todos os anos. E a situação mantém-se até aos dias de hoje. Os livros que a minha filha usa não vão servir para o meu outro filho que é mais novo três anos.

Eu sei (toda a gente sabe) que é um “lobbie” violentissimo das editoras que vegetam à volta do ministério da educação e que no final até parece que as coisas são assim porque têm de ser assim. Mas não. A educação social é um negócios que gera milhões. Eu sei (toda a gente sabe). E também (toda a gente sabe) sei que o poder argumentativo e pesuasivo desses “lobbies” é tão violento, horrivel e pernicioso que vivemos neste estado de coisas aceitando-as como certas. Nem falarei do “Magalhães” que até me mete nojo. Adiante.

Há dias e sem que nada o fizesse prever o meu filho também quis uma mochila daquelas. Foi a mãe dele! De certezinha! Deve-lhe ter dito “Pede ao teu pai!”, claro! E pronto. As aulas vão começar e os meus dois filhos vão ser devidamente educados com mochilas de marca, livros cheios de gralhas com programas alterados, com greves de professores, e essas coisas próprias de um sistema democrático tão pernicioso quanto o é o “Caso Casa Pia”. Nem sei o que diga ou escreva. Faltam-me as palavras. Talvez tenha sido uma revolução pacífica de mais, não sei. Às vezes penso nisso.

Beijinhos e essas coisas,

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O dois de Maio


Há tempos e a propósito de uma pessoa amiga que está desempregada mas tem uma ótima vida, só que coitada, não consegue desfrutá-la, fui tentar perceber o que era de facto o trabalho. O “direito ao trabalho” é um conceito interessante para manter as pessoas num estado de ansiedade permanente para terem trabalho. É um desejo/necessidade incutidos. O curioso depois é que se contam pelos dedos das mãos as pessoas que são felizes com o trabalho que têm.

Levei algum tempo a perceber que o conceito em si não faz sentido. Ninguém devería ter de trabalhar a não ser que de facto quisesse. E também há os que só trabalham pois não sabem fazer mais nada- boa para eles. Havia de haver um dois de Maio. Isso é que era uma festa. Para celebrar o dia do não trabalhador, que se formos a ver há-os aos milhões. Vem aí o Inverno. Vai ser bonito.

Frases soltas copiadas da internet:

“A expansão portuguesa é indissociável da escravatura. O seu móbil não foi a difusão do cristianismo, nem tão pouco se centrou no ouro ou marfim, mas sim nos escravos. Eles eram a mão-de-obra que geravam a riqueza. O próprio Infante D. Henrique, em 1443, chama a si o monopólio da sua exploração.”

“O legislador português encara as férias não só como um gozo pessoal do trabalhador mas também como uma forma essencial para o desenvolvimento nacional. "...O direito a férias deve efectivar-se de modo a possibilitar a recuperação física e psíquica dos trabalhadores e a assegurar-lhes condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural.”

“À entrada de Auschwitz I lia-se (e ainda hoje se lê) as palavras: "Arbeit macht frei" (o trabalho liberta). Os prisioneiros do campo saíam para trabalhar durante o dia nas construções do campo, com música de marcha tocada por uma orquestra. As SS geralmente seleccionavam prisioneiros, chamados kapos, para fiscalizar os restantes. Todos os prisioneiros do campo realizavam trabalhos e, excepto nas fábricas de armas, o domingo era reservado para limpeza com duches e não havia trabalho.”


“Os Tempos Modernos de Charlie Chaplin em 1936. Um filme que marca um século inteiro. Filmado num período marcado pela grande depressão e pela luta do homem pela felicidade contra o trabalho escravo.”

“O trabalho é um fator económico. Usualmente os economistas medem o trabalho em termos de horas dedicadas (tempo), salário ou eficiência.”

“O teu trabalho será medido pelo suor do teu rosto! - Era a maldição de Jeová sobre Adão.”

“Num dia soalheiro de Verão, a Cigarra cantava feliz. Enquanto isso, uma Formiga passou por perto. Vinha afadigada, carregando penosamente um grão de milho que arrastava para o formigueiro. - Por que não ficas aqui a conversar um pouco comigo, em vez de te afadigares tanto? - Perguntou-lhe a Cigarra. - Preciso de arrecadar comida para o Inverno - respondeu-lhe a Formiga. - Aconselho-te a fazeres o mesmo. - Por que me hei-de preocupar com o Inverno? Comida não nos falta... - respondeu a Cigarra, olhando em redor. A Formiga não respondeu, continuou o seu trabalho e foi-se embora. Quando o Inverno chegou, a Cigarra não tinha nada para comer. No entanto, viu que as Formigas tinham muita comida porque a tinham guardado no Verão. Distribuíam-na diariamente entre si e não tinham fome como ela. A Cigarra compreendeu que tinha feito mal... Moral da história: Não penses só em divertir-te. Trabalha e pensa no futuro.”

Enfim... tento posicionar-me.

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O emigrante


“Nunca te esqueças que a inveja é o defeito principal dos portugueses. Por isso toma cuidado sempre que fizeres as coisas bem feitas. Muitos dos que estarão à tua volta não pretendem valorizar-se para serem melhores do que tu, mas querem apenas que tu nunca tenhas condições que te permitam parecer melhor do que eles” – Francisco Salgado Zenha


Há tempos o meu irmão despediu-se do emprego que tinha.

Ele tinha um bom emprego. Umas condições de trabalho ótimas. A sério. Eu ainda estou um pouco perplexo acerca da sua tomada de posição. Despediu-se simplesmente. Nada de subsídios, nada de compensações, nada. O tipo ou é parvo ou é maluco. Ninguém no seu perfeito juízo se despede desta maneira nesta altura do campeonato. Ou não? Eu que me lembre e de cada vez que alguém é despedido, oiço falar em indeminizações que se me fossem entregues a mim eu nunca mais trabalhava na vida.

Pois o meu irmão e seguindo a linha de raciocínio para o qual eu e ele fomos educados, fartou-se. E quando uma pessoa se farta das duas uma ou toma comprimidos e alcool e pronto, ou muda de vida. Ele optou pela segunda. É o maior! Sendo ele meu irmão o que eu desejo às pessoas que o levaram a tomar esta decisão tão difícil e arriscada é doses massissas de amor. Algo que aprendi ao longo da vida. Nunca odiar quem nos quer mal. Ou até indo mais longe, amá-los e ter compaixão deles. É lindo!

Ele está ótimo. Tem gerido bem o tempo. Ele não é nada parvo. Tem passeado, relaxado e curtido este momento de paragem profissional viajando pelo país, cultivando as amizades que mantém e mantendo-se fiel aos amigos. Tiro-lhe o chapéu. O meu irmão é um tipo com objectivos precisos. Ele sabe o que quer.


Curiosamente e contra tudo, ou não, ele vai emigrar. Diz que está farto deste país. Que está farto de contribuir para o Estado, coisa que até compreende, mas que não aceita, por exemplo que se quiser ter filhos tenha de os increver no infantário antes mesmo de os ter. Ele não tem filhos ao contrário de mim que tenho dois. Talvez ele os venha a ter. Estará sempre a tempo. Quem sabe até os vai ter no país para o qual pretende emigrar. Sei lá. Se calhar eu gosto do meu irmão porque ele é meu irmão, parágrafo. O meu maior desejo para o meu irmão é que ele seja feliz. Melhor não se pode desejar, suponho.

Há tempos li algures que o Mourinho não quer voltar para Portugal. Calculo que se eles se encontrassem teriam imensas coisas em comum para conversar. Como eu os compreendo. Vou escutando por aqui e por ali que estamos a exportar as nossas mentes mais brilhantes. Tempos houve em que só exportámos mão de obra barata. Sinais dos tempos.

Talvez haja uma revolução. Já se fala nisso. Talvez desta vez possa ser de facto uma revolução. Em vez de cravinhos encarnados lançaremos as tradicionais pedras da calçada portuguesa para fazer juz aos portugueses que lutaram por Portugal, que nunca emigraram ou fugiram mas antes pelo contrário ficaram e aguentaram. Alguém tem que o fazer.

Vou-lhe pedir para me ir enviando uns postais. É giro.

Beijinhos e essas coisas,

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O Jacinto


Há algum tempo e não foi muito, se calhar até foi ontem. Um casal de jovens (neste caso um esquisito casal de homem/mulher), isto anda tudo trocado e não vá o diabo tecê-las é preciso ser especifico nesta coisa dos casais. Adiante, ele chamava-se Jacinto e ela Gertrudes. Ele bancário e ela dona de casa.

A Gertrudes era uma mulher prendada, boa dona de casa e boa esposa ou mulher (eu prefiro mulher). A casa sempre impecável e o jantar sempre à espera do marido. Melhor não podia ser. Vamos imaginar que era boa como o milho, dá mais interesse à história. A Gertrudes era uma mulher voluptuosa. Daquelas com um peito que parece uma máquina de passar o cartão de multibanco. Enfim... pareceres de homens, já sabem como é. E era doce. Ai.... tão doce.

Por outro lado, e o meu lado masculino não me permite uma apreciação emocional da coisa, o Jacinto, sem que eu saiba se é bonito ou não, dava nas vistas pelo seu porte atlético, postura sempre correta das costas, bem vestido e com as mão impecáveis. O cabelo propositadamante desarranjado e uma atenção especial para com os outros, sempre atencioso com as mulheres mas nunca deixando de transparecer o seu grande amor pela Gertrudes. Enfim, aos olhos dos outros e de eles próprios eles eram mesmo felizes. Daquelas felicidades que só se vêm nos filmes. Eram felizes todos os dias. Aquilo até chateava. Eram um casal sempre apaixonado. O Jacinto, ele era flores e bonbons, e banheiras cheias de águas de cheiro e pétalas de rosas. Jantavam sempre à luz das velas. E por mais que pensássemos, nunca se tornava enfadonho. Uma maravilha de casal. Uma inveja.

Um dia, julgo que terça-feira, o Jacinto sai de casa, despedindo-se da Gertrudes com um sentido e adocicado beijo nos lábios. "Adeus amorzinho". Por principio o Jacinto deixava sempre a mulher a dormir. Ele achava que era uma questão de justiça pelo tratamento que ela lhe dava todas as noites sem excepção. Aqui era um fartote e não vamos entrar em pormenores... Nessa terça-feira, portanto o Jacinto sai de casa e espera pelo elevador. Eles moram naquelas torres na Expo que parecem uns barcos mesmo por cima do centro comercial (deve ser ótimo deve). Todos os dias a mesma rotina. O Jacinto chama o elevador e depois de entrar carrega para a cave três. Ora como eles moravam no vigésimo segundo andar, aquilo era uma eternidade para lá chegar a baixo. Depois metia-se no seu carro de luxo de dois lugares descapotável e esperava meia hora só para sair da garagem. Um verdadeiro calvário, preço a pagar para se ter estatuto.

Nessa terça feira ao chegar ao carro dá conta que se esqueceu das chaves do carro. Fazendo o percurso inverso Jacinto volta a casa. Ora quando o Jacinto mete a chave à porta, a Gertrudes que contra todas as expectativas, já estava enrolada com o segurança do prédio, diz-lhe "Ai meu deus que vem aí o meu marido. Faz qualquer coisa" E ele fez. Os seguranças costumam ser assim uns tipos enormes cheios de musculos e sem pêlos e a cheirar a desodorizantes que na embalagem têm fotos de homens parecidos com eles. Mas... não sei bem porquê denotam no semblante alguma falta de sensibilidade ou lá o que é que eu não sei explicar. Adiante.

Enquanto o Jacinto se encaminhava para o quarto a fim de pegar nas chaves do carro, o segurança tenta meter-se debaixo da cama, mas ou a cama era baixou ou ele era enorme, tentou o armário e também não cabia lá. Os dois em pânico, ela deitada na cama tremia que nem varas verdes e o segurança sabia que o Jacinto era perito em Jujitsu e outras artes tais que cortava os bifes à chapada e pregava pregos à cabeçada.

A porta do quarto abre-se e o Jacinto acende a luz. Era uma daquelas luzes que sobem ou descem de intensidade. Ele de facto preocupava-se com esse tipo de pormenores, sempre preocupado com o bem estar da mulher. O segurança com a aflição e sem mais recursos planta-se num canto do quarto agaixado e nú. E foi por mero acaso que Jacinto reparou nele. Parecia um candeeiro de pé. Estático, imóvel. Não fossem as lágrimas do segurança que ao escorrerem pela cara e sobe o efeito da luz ténue mas forte o suficiente para devolver o reflexo, de facto Jacinto nem teria dado por ele. Mas deu. E quando deu, agarrou no interruptor redondo e rodou-o de modo a que se fizesse luz. E fez...

Olhou para a mulher, que espreitava por detrás da dobra do topo do lençol. Só se lhe via os olhos muito abertos e o cabelo mal amanhado. Voltou-se outra vez para o que parecia um candeeiro, outra vez para a mulher, suspirou, poisou a mala, as chaves e perguntou num tom calmo à mulher, apontando para o candeeiro (ou o segurança como preferirem), "O que é isto?"... A mulher, Gertrudes, deixa descair um pouco o lençol de modo a que o pouco som que lhe iria tentar reproduzir e num esforço inumano conseguisse alguma projecção e chegasse aos ouvidos do Jacinto - o cornudo. Não há volta dar, foi nesse preciso momento que a alcunha ficou e se manteve até hoje – Jacinto, o cornudo. E ela disse "É um robot."... ... ... "Um robot?", repetiu Jacinto. O candeeiro ía caindo mas manteve-se firme. "Mas um robot como? O que é que queres dizer com isto?". Após uma eternidade de dois segundas ela responde "É um robot para me ajudar na lida da casa, ainda não te tinha contado? Foi uma senhora muito simpática que o deixou cá ontem para uma demonstração grátis, mas se não gostas devolve-se já".

Curiosamente ou não o candeeiro, ou o segurança, que segurança não tinha nenhuma naquele instante... começa a empalidecer. Algo lhe dizia que era melhor fugir mas encontrando-se como veio ao mundo e tendo o Jacinto a barrar-lhe a entrado do quarto pouco podia fazer que não fosse deixar escorrer as lágrimas e o suor da testa. Por mais que pensasse nisso não conseguia imaginar-se transforma-se num candeeiro que naquele instante e contra tudo o que ele pudesse imaginar na vida era o que mais desejava naquele instante.

O Jacinto desaperta a gravata. Dá um jeito ao pescoço que faz estalar a estrutura óssea por três vezes e aproxima-se do segurança. Este mija-se. A mulher recolhe-se nos lençóis. O Jacinto despe o casaco e pendura-o levemente no cabide de madeira, daqueles de pé muito giros e cheios de estilo. Tira a gravata, desaperta a camisa, tira os botões de punho, e despe a camisa. Se alguma coisa o identificava com o candeeiro era a falta de pêlos, pois de resto o corpo do Jacinto estava coberto de tatuagens feitas no Japão por altura de uma visita que fez à família. O seu avô era descendente de uma família de Yakuza, era um tatuador prestigiado entre as máfias de Tóquio. As tatuagens que lhe cobriam o corpo representavam a bravura e coragem da família da qual Jacinto Chen era descendente. Algumas estavam cruzadas com cicatrizes de lutas em treino intenso. Depois desaperta o cinto e despe as calças. As cuecas, não é que interesse mas eram Hugo Boss, daquelas de licra bem justas e pretas, revelando que os atributos de Jacinto não estariam em mão alheias, ao contrário do segurança que naquela altura mais parecia uma mulher tal era a contracção do dito cujo.

O Jacinto despe as cuecas. A mulher não resiste e espreita só com um olho "Tu queres ver?" pensa ela. ‎"Ai maezinha" pensa o segurança. E... pegando no segurança em peso Jacinto posiciona-se de modo a sodomizar violentamente o candeeiro. No momento em que o agarra pelos flancos ouve-se uma voz robotica saída não da boca do segurança mas antes dos tesctículos. Era impossivel alguém proferir uma palavra que fosse com aquele tom de voz. Muito menos um homem, a não ser que uma parelha de bois lhe estivesse a passar por cima dos testículos. "Avariado, avariado", dizem os testículos do candeeiro. "Avariado? O que é isto?” pergunta Jacinto à mulher que estava já com a cara toda destapada e os olhos e a boca completamente escancarados. "Hã?... diz? o quê? como?" responde ela. "Sim! O que quer dizer isto do avariado?". A mulher que parecia estar a viver um sonho responde sem dar conta (às vezes o cérebro tem destas coisas, fica em modo automático, por mais que nos esforcemos não nos lembramos de determinadas coisas, e esta pelos vistos era uma das quais o cérebro dela estava a mandar directamente para o arquivo morto), "Olha, nem vais acreditar mas mesmo antes de entrares estava a trabalhar lindamente".

O Jacinto, que pela pratica das várias artes marciais que mantinha há já vinte e dois anos, inspira fundo, relaxa e carrega no botão de levantar o estore - modernices. Pareceram três horas, o que de facto nem chegou a meio minuto. Abre a janela e enquanto a mulher tenta proferir um som para lhe meter algum juízo na cabeça, mas que de nada lhe servia pois as cordas vocais ganhando vida própria recusavam-se a vibrar, Jacinto, mais uma vez pega no segurança como se de uma tábua de engomar se tratasse e com ele no ar aproxima-se da janela. Cada andar são sensivelmente três metros, vezes vinte, dá... ora... vinte vezes três... isso... sessenta metros.

Portanto e retirando um frame isolado do filme, como se de um filme se tratasse, temos um quarto de trato fino com cama de casal e armários embutidos com portas de espelho. Uma janela ampla e aberta. Uma mulher deitada na cama com ar de quem viu o diabo nu e com uma pila daqui à China. E dois homens numa posição duvidosa. Um a agarrar no outro. Coloquemos então o frame no lugar devido e continuemos a história. Jacinto agarra no segurança, portanto, e dispara para o ar "Avariado, ai é? Então fora com o robot". Pois nesse preciso instante e colocando de parte todos os preconceitos, tabus e outras coisas que um verdadeiro homem latino possa alvitrar, o segurança (ou candeeiro - como o entenderem), tendo em conta o instinto básico de sobrevivência e contra todas as expectativas, com a voz muitissimo bem colocada, diz "Tente novamente. crrrr. Tente novamente."

Conclusão: Ter sempre a mente aberta para novas experiências pode ser sinal de imensa sabedoria e instinto de sobrevivência.

Beijinhos e essas coisas