quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O eleitor


Eleitor – Aquele que elege; que tem o direito de concorrer a uma eleição.

Há tempos comecei a pensar, mais uma vez, sobre outro assunto. O que me vale é estar vivo e ter tempo para pensar. Na realidade eu gosto de pensar sobre as coisas. Como diz um grande amigo meu é estar acordado, desperto, lúcido ou, mais profundo e só para alguns, consciente de estar consciente. Ao pensar nas coisas triviais consigo relativisar outras não tanto, como por exemplo, e esta não me sai da cabeça, “activos tóxicos”, uma expressão ultramoderna que no meu entender e depois de nem pensar tanto como isso, significa na linguagem lá da minha rua uma “terminologia fina para branquear o roubo”. Este mercado financeiro é voraz e insaciável. Os computadores deram-lhe o inimaginável – a existência de dinheiro não palpável e com ele justificar ganhos não justificáveis. Adiante...

Poderia escrever este texto para os meus filhos pedindo-lhes desculpa pela sociedade que lhes estou a deixar. Por tudo o que não consigo fazer e que devería estar a fazer como por exemplo atirar pedras aos mercados financeiros, esbofetear a classe política, entrar pelo parlamento dentro e pegar fogo àquilo. O poder de argumentação destas instituições terá chegado ao limite do plausível. Esperemos que não seja necessária um derramamento de sangue para o alterar, mas se houver não me surpreendería nada. A democracia está a servir propósitos obscuros servindo de escudo para os mais variados interesses mesquinhos que nada têm que ver com aqueles para os quais ela foi criada. E um dia a sociedade em que os meus filhos estão a crescer terá de rever os pilares da democracia. Tudo tem um começo, um meio e um fim. Sempre foi assim e sempre há-de ser. É uma questão de tempo.

Estamos no ano da graça de 2011 e vai haver eleições presidenciais em Portugal. Existem cinco candidatos, um deles a querer ser reeleito. Sinto uma profunda vergonha pela baixissima qualidade dos candidatos à presidencia. Não confio em nenhum deles nem confiarei. A minha racionalidade tem sido comprometida ou minada pelos seus discursos altamente elaborados mas o cérebro que existe no meu coração (descoberta científica recente) rejeita-os visceralmente. É como se quisessem fazer-me acreditar que levar com uma tábua na cara com toda a força não dói.

Tenho pensado não em quem votar mas como votar, falei com pessoas entendidas e cheguei à seguinte conclusão: votar é uma falácia, passo a explicar: como eleitor tenho quatro hipóteses - votar num candidato, votar em branco, rasurar o voto ou não ir votar. Falta uma outra hipótese onde eu pudesse expressar não reconhecer qualificação adequada em nenhum dos candidatos para ser meu presidente da república (vulgo funcionário público). Não há justificação razoável para tanta incompetência em tanta gente junta e com cargos de chefia.

Eu já nem sei se o candidato eleitoral é comentador de futebol, é deputado, é presidente de câmara, é crítico de novelas... valha-me Nossa Senhora. Bom, bom, será o FMI trazer em anexo um Presidente da República. Isso é que era. Não porque não haja cá gente muitissimo competente, mas o lodo é tal que já só lá vamos à chapada. Alguns nem isso, coitados, mas levavam na mesma.

Beijinhos e essas coisas,

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A professora


Há tempos foi-me pedido que ajudasse o Manuel a fazer um trabalho para a escola. Era um trabalho sobre o D. João III, que tinha de ser feito no “Magalhães” – o computador. Estivemos a jogar uns joguitos no dito cujo para aquecer. Depois pedi-lhe para me mostrar o que já tinha feito. Não lhe perguntei como é que o fizera, mas o facto é que tinha um documento em “Word” com texto copiado da Internet. Como eu não tenho Internet em casa, limitei-me a trabalhar no que ele tinha feito. Também não lhe perguntei se o tinha feito sozinho ou com a ajuda de alguém, mas pareceu-me óbvio que teria tido a ajuda da mãe ou da irmã, não sei.

Ajudar o Manuel nos trabalhos de casa não é tarefa fácil. Percebi isso pois de cada vez que lhe pergunto se tem que estudar fica logo triste. É impressionante. É capaz de inventar algo com dois atacadores velhos e duas bolas de plástico dos ovos de chocolate “Kinder”. É capaz de se distrair com objectos simples como relógios velhos, caixas de cartão usadas e outros que não lembram ao diabo. A irmã, que é óptima aluna, às vezes até brinca com o que ele inventa. Tem uma capacidade nata de pegar em coisas e dar-lhes outras utilizações e é bem capaz de se distrair com a capa do livro que está descolada no cantinho em vez de ler o livro. Enfim… cada um é para o que nasce. E o Manuel nasceu para descobrir e inventar coisas.

Ora, quando lhe pedi para ler o trabalho que tinha preparado percebi imediatamente que ele não entendia quase nada do que lá estava escrito. Então, e devagar, começámos a tentar descobrir o significado de algumas palavras e conceitos. Fui arranjar exemplos que até a mim me surpreenderam mas que ele lá ia entendendo. Como é que se explica a Inquisição a um miúdo de nove anos? A mim ocorreu-me dizer-lhe que era uma polícia especial da Igreja para tomar conta das pessoas e as matar na maioria das vezes ou mandar matar. Ora o D. João III, ao que parece, não gostava muito dos judeus (pelos vistos a história é recorrente) e vai daí, fez um contrato com a sede da Igreja em Roma e enviaram para Portugal uns inspectores para matar os judeus ricos e depois dividiam o dinheiro entre eles.

O que pensará uma professora que tem dentro de uma sala minúscula 25 almas com nove anos e é obrigada a ensinar o que o sistema insiste em querer fazer acreditar que é “o básico para se ser um cidadão normal”? Eu na quarta classe tinha o livro único e em casa um telefone fixo e uma televisão a preto e branco com dois canais. Nessa altura a nave espacial que aterrou na Lua tinha menos capacidade informática que um telemóvel e eu brincava com os meus amigos na rua. Quando o Manuel vem ao meu “escritório”, dou com ele a brincar com o seu melhor amigo e colega da escola num jogo “online” chamado “Pinguim”. E a professora quer que ele desenvolva um trabalho sobre o D. João III, “o Piedoso”!

Será sem dúvida por não conhecermos ou compreendermos correctamente o passado que somos o que somos. Uma nulidade cultural sem fim. Mas a culpa, porque a há, não é dos miúdos – é nossa, que ainda não aceitámos alterar o estado da nação. Não são 30 anitos de uma democracia alicerçada sabe-se lá onde que vão alterar 48 anos de uma política que teve como pilar a anulação da cultura de um povo.

Valha-me Deus… ainda vou preso.

Beijinhos e essas coisas.