quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O apalpanço


Há tempos, recebi na Estónia, Tallin (fica lá para cima, ao pé da Finlândia, da Noruega e da Suécia), e por ocasião de um suposto concurso europeu de design e em representação de Portugal, o segundo prémio e mais uma menção honrosa por causa do projeto ricoxete.com e das almofadas de caroços de cereja que são fabricadas em estabelecimentos prisionais. Para além do reconhecimento público no evento ainda me ofereceram um Ipod Nano. Bolas! Ainda não tinha um desses extraordinários objectos tão cobiçados a julgar pelo que vou vendo na televisão. Aquilo é impressionante. As pessoas fazem fila e até vão dormir para as portas dos estabelecimentos onde se comercializam essas máquinas tão apelativas. Confesso que depois do primeiro impacto, o programa das ditas máquinas é muito intuitivo e feito de acordo com uma lógica bastante simples, se compararmos com outras máquinas similares. Mas chega-se lá. Umas horas de volta do meu presente, mais um programa específico descarregado da internet, pois senão aquilo não funciona e eis que tenho na cabeceira da minha cama - música que, se a ouvisse de seguida, nem me levantava da cama durante duas semanas a fio.

Ora bem. Deixa cá ver. É que nem foi há muito tempo assim. O meu filho Manuel tem dez anos e eu com essa idade, se queria ouvir música, ligava o rádio que tinha um gira-discos incorporado, colocava o disco que queria ouvir (A Menina do Mar, por exemplo) e ficava ali a escutar com muita atenção. Mais tarde havia uns de nós que a custo dos pais terem mais possibilidades financeiras, já tinham umas aparelhagens sofisticadas que davam um som bestial e alto, às vezes muito alto. Nessa altura já o 25 de Abril se tinha dado e eu comecei a namorar. Já havia calças de ganga e Coca-cola. Também havia uns pirolitos – uma gasosa que depois de bebida dava direito a um berlinde colorido. E as festas em casa uns dos outros, ou nas garagens, ou por vezes nos locais mais estranhos mas que eram o que se arranjava. E claro a música sempre a acompanhar. Apareciam uns amigos que tinham muitos discos e eram esses que punham a música. Às vezes ele tinha de ir fazer xixi ou outra coisa qualquer e nós ficávamos a substitui-lo. Era um momento relativamente importante pois quem punha a música era imprescindível para que pudéssemos dançar com aquela que nos fazia sentir mais zonzo. Aquilo era horas de beijocas e apalpanços que o meu filho talvez passe pelo mesmo, mas duvido. Há de passar por outra coisa qualquer, mas assim não.


Depois começaram a aparecer rádios novas, discotecas, bares, programas na televisão exclusivamente subordinados ao tema da música. A música portuguesa ganha novo folgo e eu gravo cassetes piratas, compro discos de vinil e coleciono namoradas. Aliás, tive uma namorada dos Pink Floyd, outra dos Jáfumega, outra do Ian Gillan, outra dos Xutos, e outras. Agora que penso nisso, não deixa de ser curioso. Podia escrever a história da minha vida através da música que ouvi. Pois há tempos peguei nos meus discos de vinil todos e fui oferecê-los às pessoas que trabalham na rádio Marginal. Tinha aquela caixa enorme lá por casa e pensei "Ó! Farto-me de ouvir a rádio destes tipos e já não vou ouvir aqueles discos outra vez. Eles que fiquem com aquilo que o mais provável é adorarem." Eu cá adorei ver-me livre daquilo, credo! Eles nem imaginam. Foi o dois em um, eles ficaram todos contentes mas eu também.

Entretanto e hoje, enquanto estou aqui a escrever este textito tenho música neste computador, na rede global, na pen, no Ipod, no leitor de cd, na televisão, no telemóvel, no rádio do carro. Quando os meus filhos vêm no fim de semana ainda tenho mais música disponível pois eles têm a música que gostam gravada no telemóvel deles. Eu até fico maluco! Isto já é música a mais. A sério! E para cada máquina existe uma instrução parecida mas diferente. É uma trapalhada que se pode tentar ir acompanhando mas mal nos adaptamos a uma aparece logo outra. Isto é lindo. Faz lembrar as baratas quando se acende a luz – correm que nem umas loucas e vai cada uma para seu lado. É assim que às vezes me sinto.

Bolas!... Agora é que havia de haver as tais festas do apalpanço!

Beijinhos,