terça-feira, 12 de julho de 2011

Propriedades do lixo


Há tempos um familiar meu, mais velho, mais experiente. Uma pessoa com um grau de cultura acima da média, bastante instruído e atento ao que se passa no mundo. Leitor assíduo do jornal Expresso (seja lá o que isso signifique), E de outra literatura menos informativa mas mais técnica, mais específica, enfim, se bem me lembro esse meu familiar não é parvo nenhum, se me faço entender. Aliás, foi professor na Universidade Moderna, estão a ver? Não é de facto uma pessoa vulgar, não deixando de o ser, pois se no mundo há seis biliões de almas, ele não há-de ser excepcional. Mas em relação ao enormíssimo grau de iliteracia que existe no nosso país ele de facto até parece excepcional, não o sendo. Ele lê. Vê as notícias. Lê mais. Talvez por ser curioso e não se ficar pelo que os outros dizem, acaba por ler o que os outros escrevem.

Falar com esse meu familiar foi excelente para mim e para o que eu penso sobre a vida de uma maneira geral. Ele com a sua maneira de ser, com a sua formação familiar e académica, tinha e tem as suas opiniões que, se por um lado fazem toda a lógica, por outro havia cá dentro de mim, do tal cérebro que o meu coração tem (provado cientificamente), algo que me deixava na duvida pois eu escutava-o com enorme atenção mas nunca senti verdadeiramente que ele tivesse razão. Não sei como explicar pois nunca me ensinaram, mas o facto é que sempre achei que ele estava errado ou, na melhor das hipóteses, a teoria dele não podia ser posta em prática sem que algo de anormal daí resultasse.

Dizia esse meu familiar nos anos oitenta que Portugal ia ser um país de serviços. E de facto ele tinha razão. Portugal com o nascimento do euro e consequente adesão à moeda única tornou-se num país de prestação de serviços. E de enormíssima qualidade. Exemplos? A Via Verde. A Via Verde é um caso de estudo do que de melhor nós, portugueses, somos capazes de fazer. É cómodo e dá milhões, sem que ninguém se aperceba verdadeiramente do roubo que isso significa. E mais não escrevo sobre o assunto porque simplesmente me indigna que tal esteja a ser perpetrado às pessoas e ninguém se insurja. É porque foi magistralmente bem concebido. Tal como a electricidade, a TV por cabo, a água, os transportes públicos e por aí fora. São serviços de primeira necessidade que, através de um criterioso estudo e adaptação às circunstâncias, conseguiram ser geridos de acordo e de tal modo que à primeira vista tem lógica. É curioso, pois para mim tem a lógica de uma sociedade terrível que divide para reinar. E consegue e tem conseguido.

Entretanto afastei-me desse meu familiar. Não interessa. Mas não deixei de transportar na minha mente a questão de que Portugal iria ser um país de serviços. Fazia-me reflectir e não conseguia perceber bem o porquê das minhas dúvidas. Afinal de contas tudo o que ele então me dizia fazia sentido, tinha uma determinada lógica, estava baseado em inúmeros estudos científicos e técnicos de tal modo elaborados que muitas das vezes eu nem conseguia entender. E repare-se, não está aqui a minha mãe para vos afirmar, mas afirmo eu, não me considero estúpido.


A semana passado um grupo de norte americanos que podiam perfeitamente ser amigos desse meu familiar, consideraram ou opinaram, conforme queiram, que Portugal é lixo. Isto claro está, referindo-se à nossa conjuntura económica e financeira. E de repente faz-me todo o sentido o que tenho pensado sobre o que esse familiar então defendia. Ou seja, quem imagina que o futuro são serviços agora que os coma. Quem imagina que o futuro são as telecomunicações agora que as comam. E quem imagine que os EUA, através da Moddy’s vão acabar com o euro, desengane-se. Meteram-se com os portugueses e nós, os portugueses, temos esta “mania” de esperar… Deve ser do contacto que tivemos no passado com os povos do Oriente, ainda os americanos estavam para ser inventados!

Enfim, parece que esta semana vêm cá a Portugal uns tipos da Moddy’s conversar com os nossos banqueiros! A ver se não me esqueço de lhes levar o lixo que tenho no balde em minha casa. Provavelmente não conseguirei entregar-lhes, era giro. Mas se não conseguir, irei depositá-lo no banco dos nossos banqueiros… Até podia ser o meu familiar e as ideias que ele defende. Porra p’ra isto.

Beijinhos e essas coisas,