sexta-feira, 3 de maio de 2013

O ciclista



Há tempos a vida estava exactamente como está neste momento – uma confusão! A vida social em Portugal, claro, não a vida normal do dia a dia, que não obstante estar a alterar-se inexoravelmente, que quem trabalha o campo sente nitidamente que o lugar do tempo da natureza não coincide com o que vem no calendário, e como uma mudança nunca vem só, cá estamos nós em Portugal a viver momentos extraordinários em que parece que se tenta arrumar a despensa parecendo à primeira vista que está vazia mas não está, havendo prateleiras de facto vazias mas outras inexplicavelmente cheias. Ao que parece existem duas realidades distintas em que o primeiro jura a pés juntos que a vida vai ser melhor enquanto outros vaticinam um futuro tão negro mas tão negro que até parece que o sol é estúpido em aparecer para dar alguma alegria às pessoas.

Talvez se deve esta enorme diferença à maneira como somos preparados para a vida e o que aceitamos como sendo a realidade. O facto é que após quarenta e oito anos de vida continuo sem perceber por que raio é que me dá para ver as coisas desta maneira tão simplista confesso mas como de outro modo se poderiam ver as coisas. Vou-me sentindo anormal, “ernesto” (que significa pior que honesto), estúpido basicamente, por não conseguir compreender que a sociedade é assim e pronto. Sinto-me inconformado, o que convenhamos não é muito saudável. Mais valia não ter viajado, não ter visto outros exemplos de como gerir uma sociedade. Mal ou bem o grau de felicidade existente nessas sociedades é muito superior quando comparado com, espera, com as sociedades do sul da Europa? Mas então, espera lá, não é no sul da Europa que estão as praias? As miúdas giras? Os desportos náuticos? O surf e as miúdas giras? Então é por isso que não se entende. Deve ser.


Tenho um amigo que vai andar de bicicleta com mais duzentos amigos ao Sábado de manhã, uns atrás dos outros horas a fio, vestidos de licra preta, e capacete, e ténis ou lá como chamam aquilo, e aparelhos para medir a velocidade, as pulsações, a gordura. Enfim, no conjunto a três mil euros por cabeça, nessa manhã talvez andassem ali pelo meio da mata seiscentos mil euros sem contar com os seguros de vida, que cada um vale conforme a capacidade de cobrir determinado contrato de seguro de vida. “C’est la vie”, diria o outro, que em português significa, para os que nunca aprenderam a língua mais gaysola que por aí há, “Estava, estou e estarei sempre tramado enquanto for governado por esta cambada de incompetentes que não sabendo nada da vida que não seja dinheiro ainda não entenderam que podem facturar milhões praticando uma governação positiva.” Mas não. Inexplicavelmente vá-se lá perceber porquê, é fino ir andar de bicicleta com os amigos ao Sábado de manhã. Faz bem à saúde, defendem uns, oxigena os músculos, dirão outros. Vá lá que fazem desporto mas e ao que parece fazer desporto pode custar uma fortuna, credo.

Talvez alguém me possa ver como um tipo de esquerda, daqueles que defendem posições de esquerda, sobre assuntos de esquerda, com ideias de esquerda. Sinceramente sinto-me de direita, seja lá o que isso possa significar, mas prefiro ser limpo a sujo. Prefiro um concerto sem pó do que outro em que se chover é só lama. Enfim, há de haver um meio-termo pois eu não sei onde me enquadro mas sei que é lá para o meio. Sinto que entre os que dizem que havia de ser de uma maneira e os que dizem que havia de ser de outra, ainda há uma terceira maneira. Tem de haver. Levar um cacilheiro forrado de bordados e outras coisas até Veneza para a Bienal pode ser giro. E depois? O que fazer com os tachos, e os corações feitos com talheres de plástico, e os ferros de engomar, e os malfadados tampões?

Era porreiro ir tudo por atacado até Veneza. O barquinho com o Presidente, a mulher do Presidente, os deputados, os ministros, os motoristas dos ministros, os adjuntos dos secretários, os conselheiros,  os amigos deles, o Mexia e por aí abaixo que são mais que as mães, o Mário Soares, o Sócrates e por aí acima, a filha do presidente de Angola, o Zenal Bava, o major Valentim (que devem-lhe ter apertado os calos de tal maneira que nunca mais se ouviu falar dele – faço ideia!). Vem aí o Verão mais uma vez, ou na melhor das hipóteses aquela altura do ano em que o tempo está mais quente. Nós bem tentamos que o tempo haja de acordo com o calendário, mas e se o tempo mudar? Esta coisa de alterarmos a hora tem de acabar, não faz sentido absolutamente nenhum. Credo!

Beijinhos.