domingo, 20 de maio de 2012

Tudo é relativo



Há tempos, dei conta que também tenho pirilampos no meu terraço. É bestial! A quantidade de animalecos que por ali há. Pirilampos, borboletas, zangões, abelhas, escaravelhos, vespas, vespões, moscas, melgas, joaninhas, há uns que parecem abelhas mas não são, e fazem muito barulho, e ficam estáticas no ar enquanto as asas fazem um barulho “ameaçador”. E há libelinhas, e salamandras, e sardaniscas, e caracóis, e búzios – a sério, aquilo para mim são búzios pequeninos mas búzios, e umas lagartinhas acastanhadas, quase preto, há quem lhes chame “maria café”, e aranhas com as suas teias nos cantos do teto e debaixo dos bancos e ali e acolá, e morcegos, e andorinhas, melros e inúmeras variedades de pássaros dos quais não sei o nome pois como não falamos a mesma linguagem não sei, e à noite há um mocho enorme que faz um barulho impressionante quando voa perto e sobre o meu terraço, as asas têm uma envergadura que deve andar no metro, faz um barulho parecido com aquele que fazemos quando começamos a aprender a assobiar, a sério que faz lembrar. É enorme, branco e tem a cara achatada com dois pequenos olhos negros rodeados cada um por duas espécies de funis brancos. É giro.

Também há umas aves de rapina que conseguem ficar a voar no mesmo local. Ficam ali no mesmo local, aparentemente pois fazem-no a grandes alturas, durante um ou dois minutos talvez, não sei. Já lá vi o que julgo ser um casal dessas pequenas aves de rapina. Normalmente os melros são os primeiros a dar o alerta. Distinguem-se perfeitamente os seus avisos e por breves instantes parece que tudo pára. Os coelhos costumam aparecer a meio da manhã. Da ultima vez que os vi haviam dois pequenitos. Como o são os ratos do campo. Até são giros. Pequeninos e sempre muito despertos e alertas. Foram eles os bandidos que me atacaram a abóbora que a minha mãe me ofereceu, abrindo um buraco e comendo as pevides todas deixando as cascas como prova. Só dei conta que eram ratos quando fui limpar por baixo da prateleira dos utensílios de jardinagem. Pássaros não fazem aquilo, e o meu hamster fazia isso, igualzinho. Foi-me difícil aceitar de animo leve que todos os dias há um bando de enormes papagaios verdes que ao fim do dia sobrevoam lá muito ao alto em direção ao interior. Durante o dia instalam-se para os lados dos Jardins do Marquês em Oeiras e ao fim do dia voam para a Fábrica da Pólvora. Já as gaivotas nunca se sabe se voam para um lado ou para o outro. Não me lembro de ter visto pombos mas rolas vi várias.


Ontem estava sozinho na sala a ver televisão e entra-me um gato pela sala dentro e vai até à cozinha. Esperei, esperei e fui lá, quando acendi a luz ele esgueira-se entre mim e a porta e sai a correr pela sala, sentando-se logo a seguir à porta, no terraço a lamber-se. Nunca o tinha visto e não sei se o voltarei a ver. Às vezes há por ali uns cães, com pedigree, de caça ou da rua, farejam tudo ao que parece à procura de algo, sempre freneticamente, é curioso. Não sei se apanham alguma coisa mas o facto é que quando isso acontece leva dias a repor a ordem. Sei isso por causa dos melros e dos seus gritos de alerta que se deixam de ouvir.

Gosto de observar as coisas mesmo ao pé de mim. As que temos como garantido. Por estarem sempre ali deixo de as observar e de ver quão belas e bonitas são. Também tenho flores no meu terraço, lindíssimas. Rosas de várias cores e outras. Estou à espera que a “dama da noite” dê flores. Disseram-me que é um cheiro inebriante. Também tenho “lúcia-lima” e poejo e alfazema. E todas elas com necessidades de abastecimentos de água diferentes, não é fácil. Às vezes engano-me e quase que morrem. Mas estão todas formidáveis. Não sei quanto tempo levo a observar todos estes seres extraordinários no meu terraço ou a partir dele mas uma coisa eu sei, quando estou ali a tratar das plantas faço por estar consciente do momento e do que observo, nessa altura o tempo parece parar. Parece que algo mágico acontece e o tempo deixa de existir. E pensando bem deixa mesmo, na medida em que fomos nós que inventámos o tempo para mal dos nossos pecados e a natureza está-se a borrifar para nós e para o nosso tempo, na mesmíssima medida em que nós borrifamos para ela. Isto não falha.

Ando cheio de alergia, outra vez, bolas.

Beijinhos.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Bernardo Sassetti



Há tempos, passei um momento estranho na minha vida. Algo extraordinário que me tem feito pensar imenso sobre a vida. Não que eu não faça quase todos os dias mas de facto e por vezes acontecem-nos coisas que nos deixam assim meio letárgicos. Adiante… Eu já reconheço em mim esses momentos e quando me acontecem já sei por experiência própria que o melhor é esperar. O tempo, essa coisa também extraordinária, ajuda imenso. E deixá-lo passar sem nada fazer pode ser uma viagem.

Durante quatro anos acumulei moedas. Nem sei bem porque comecei a juntá-las mas o facto é que consegui acumular 7500 euros. Falei com os meus filhos e concordámos que não seria pior se em vez de irmos fazer a viagem que era o objectivo optássemos por adquirir uma viatura mais económica. Assim foi. Escolhemo-la e comprámo-la. Passados doze dias roubaram-nos o carrito novo. Ora bolas! Ficaram algumas fotos e a felicidade que esse carrito nos deu durantes alguns dias. No dia em que mo roubaram à porta de casa fartei-me de chorar. Cheguei mesmo a perder a vontade de estar de pé. Vá lá que me ficou a ideia de que sou uma pessoa persistente e perseverante. Acho que foi bom os meus filhos terem sentido isso. Que é possível acumular-se moedas a tal ponto que com isso se pode comprara um carro em vez de ir ao banco e prostituir-me. Simples.

Depois e num processo interno comecei a tentar arranjar explicações minimamente razoáveis para o que me sucedeu. Cheguei a imaginar o meu carro "velho" que felizmente ainda não tinha vendido ganhar vida, e com ciúmes atirar o novo ao rio. É que durante esses doze dias estacionei o carro “velho” mesmo em frente da porta do meu prédio, sendo que todos os dias ao sair de casa trocávamos olhares. Eu com a consciência pesada de me estar a desenvencilhar dele e ele (o carro “velho”), ali, parado, sem pestanejar a olhar fixamente para mim. Tal como naqueles filmes dos “Transformers”, ou lá o que é, o meu carro “velho” deve ter-se irritado e pronto, afogou o carro “novo”. Sei lá. É possível, não? Por outro lado e num registo mais espiritual, culpei Deus, esse incógnito de me ter feito tal coisa. Se Ele está em todo lado, certamente estava no local e no momento em que me roubaram o carro “novo”. É um mero raciocínio lógico. Foi Deus, pronto. É obvio que não foi o carro “velho” pois eu sei que as máquinas não têm vida… eu sei… acho… lembro-me quando era miúdo, olhar várias vezes para o Pinóquio na expectativa de o ver mexer. Fingia que estava distraído e de repente tentava apanhá-lo a mexer-se. Enfim… coisas de miúdos, claro… ou nem tanto… sei lá…


Passados alguns dias dá-se a morte trágica do Bernardo Sassetti (se não sabes quem é, afianço-te que é triste, pois se vivêssemos num país um pouco mais culto saberias de certeza de quem falo). Eu que até gosto de falar no facebook, que até andava mesmo triste por causa do furto do meu carrito “novo” até tenho vergonha de falar no assunto. A sério. Se me fosse possível eu daria de bom grado mais carros se isso trouxesse de volta o Bernardo e o que ele representava para mim. Um dia apanhei-o na rua e ofereci-lhe uma das nossas almofadas de caroços de cereja. Ia com a minha filha e fiz questão de lhe dizer que eu e a minha filha dançámos muitos ao som da música dele. Ela bebé, ao meu colo, com a cabeça encosta ao meu ombro, os dois a dançarmos o "Sonho dos Outros"... lindo. Ele não imagina como foi importante a música dele na minha vida. Principalmente a companhia que me fez em períodos mais conturbados da minha existência. Enfim... foi mesmo!

Há-de haver uma razão muito forte para teres levado o meu carro, mas o Bernardo? A sério Deus. Escuta… tenho uma proposta para ti. Levas-me o outro carro, o "velho" mas que está óptimo, afianço-te, e devolves-me o Bernardo, pode ser? Sei lá pá, pelos vistos gostas de carros e se calhar até gostas do meu carro “velho”. Se por alguma razão te ocorrer voltares a cometer a proeza de ressuscitares alguém pensa no Bernardo. A sério pá. Olha que fiquei muito triste contigo. Tantos que para aí há que só dizem e fazem disparates…

Quero lá saber do carro que até tenho vergonha da tristeza que senti por o ter perdido comparado com o Bernardo que esse sim me faz muita falta… muita mesmo! És uma besta Deus! Cada vez compreendo mais o Saramago e concordo com ele. És estúpido e filho de alguém que não sendo puta há-de andar triste contigo pois e a julgar pela história da humanidade olha que deixas muito a desejar. E depois ainda me vêm com a história das “Pegadas na Areia”, vão-se lixar todos vocês que aceitam isto como uma vontade de Deus... eu não!

Adeus Bernardo, até um dia destes…

Beijinhos,