quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Água corrente


Há tempos e sem que me lembre bem porquê o meu filho vira-se para mim e diz-me que bebe água quando está no duche a tomar banho. Quero com isto dizer que ao tomar banho ele, e tal como eu, mete o chuveiro na boca e desata para ali a beber água até se fartar. Se for como eu é até ficar cheio.

Existe uma razão prática para tal procedimento e que tem que ver com o facto de ter de se beber água pura e simplesmente. Sendo preguiçoso, creio, o meu filho aproveita o banho para beber água. Perguntei-lhe se ele bebia a água quente que saía do chuveiro ao que ele respondeu que sim, retorquindo ainda que quente ou fria não interessava, o que interessa é beber água. O Manuel tem nove anos e diz coisas impressionantes.

Beber água quente ou relativamente quente tem as suas vantagens pois o estômago prefere recebê-la quente. É uma questão de lógica. Perguntem aos chineses. Uma pessoa que pensa como o Manuel já tem incutido um sentido prático das coisas. Já tem uma lógica formada. Percebi nesse instante que o Manuel já se defende até da sua eventual preguiça.

A irmã diz que também faz o mesmo. Ora pelos vistos já somos três. Claro que a água que vem do chuveiro não é água cristalina da fonte mas há tempos os meus filhos fizeram-me um teste pois acharam que eu andava a comprar água engarrafada desnecessariamente. Encheram dois copos com água e pediram-me para dizer qual era da torneira. Eu errei. Quando apontei o copo de água como sendo engarrafada foi por adivinhação porque de facto eu não senti diferença.

Aprendo muito com os meus filhos. E reaprendo ao dar-lhes a oportunidade de me lembrarem o que já esqueci. Eu sempre soube que é um disparate comprar água engarrafada. Mas que hei-de fazer? Às vezes esqueço-me das coisas elementares. Deixo-me levar pelo consumismo e o marketing. Claro que há águas diferentes. Uma garrafa de água de iceberg a custar cinco euros o litro tem de ser diferente por alguma razão... tem de ser... cinco euros... tem de ser.

É como o gelo que vendem nas bombas de gasolina. Há tempos havia lá uns sacos de plástico dourados com cubos de gelo que tinham escrito “edição limitada gourmet”. Fui perguntar que gelo era aquele, se tinha ouro ou qualquer coisa que justificasse o facto de ser edição limitada ao que me responderam que o gelo era o mesmo. O saco é que era diferente. Ora bolas!

E assim de repente e sem perceber bem porquê ou não, lembro-me do papel higiénico. Ultimamente há por aí marcas de papel higiénico que fazem com que limpar o rabo seja uma espécie de culto. Há-os com cheiros, motivos vários ou às cores. O papel higiénico preto por exemplo, tão na moda, não limpa, espalha. E como é preto, não se vê. Digo eu, não sei. O que sei é que eles dizem que se vende aos milhões e portanto o anormal devo ser eu que teimo em lavar o rabo com água corrente... Vou falar com o meu filho.

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O colarinho branco


Há tempos e por ocasião do lançamento de um livro intitulado “Para Além da Prisão” promovido pelo ministério da Justiça, através da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, fui convidado com pompa e circunstância, com lugar marcado à frente e tudo. Eu não estou habituado a estas mordomias. Fiquei contente. Pelos vistos o meu projecto estaría a dar nas vistas na medida em que sou umas das 14 instituições da sociedade civil que trabalha em parcería com o sistema prisional.

Nessa ocasião estavam presentes várias individualidades entre elas o ministro da justiça, a directora geral dos serviços prisionais e um Senhor chamado Laborinho Lúcio. Refiro o nome desse senhor pois a dada altura e discursando para a plateia ele prevê entre outras coisas algo que me alertou para o que ele diz ser o futuro da justiça e do sistema judicial, e que na sua perspectiva os serviços prisionais teriam de se preparar para um novo tipo de “clientes” – os do “colarinho branco”.

Temos que dar nomes às coisas, claro, e neste sentido “colarinho branco” significa que são pessoas que ao serem presas terão que ter um tratamento diferenciado dentro das prisões. Isto é interessante por inumeras razões inclusivé a de que o sistema prisional diferencia à partida dois tipos de “clientes”, os "normais" e os do "colarinho branco".

O que o Senhor Laborinho Lúcio não previu no discurso que proferiu cheio de recados para todos os que o estavam a ouvir é que estava a falar sózinho ou para o ar, como preferirem. Pelos vistos as pessoas “colarinho branco” são muito renitentes a cumprirem as regras do jogo.

Senão, e não é preciso fazer um exercício por aí além complexo, ter “colarinho branco” significa ter capacidade financeira suficiente para protelar indefinidamente uma desisão de um tribunal que se fosse com outra pessoa dita “normal” era logo posta a cumprir a sentença que lhe foi aplicada. Isto não é justiça. É injustiça. Parágrafo!

Lembro-me de ouvir comentários do género “ele tem a mania” ou “quer ficar bem na foto” ou “só fala assim porque está ali o ministro”. Enfim, entre o que ele disse e os comentários que foram feitos a seguir fica algo que é um vazio enorme e que me faz pensar que o problema, a ser um problema, não está nas pessoas de “colarinho branco” mas no sistema como um todo. Afinal de contas parece existirem dois tipos de cidadãos. Os que têm e os que não têm “colarinho branco”. E isto é de tal modo verdade que nas mais altas instâncias dos que governam este país é facto consumado que terão de haver condições diferenciadas para pessoas diferentes... Impressionante.

Pelos vistos e aos olhos do Senhor Laborinho Lucio, do ministro da justiça, da directora dos serviços prisionais, dos directores das prisões, dos guardas prisionias, dos que estão presos e da grande maioria de nós há de facto dois pesos e duas medidas. Se assim não fosse e sendo a justiça cega, ao haver uma pronuncia de um tribunal ela tería de ser cumprida, imediatamente. E de facto é-o... para quem não tem “colarinho branco”, óbvio.

Beijinhos e essas coisas,

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ser humano


Há tempos recebi na minha caixa de mail a história curiosa sobre o que supostamente andam a fazer aos cães em Fátima. São duas ou três fotos de uma caixa relativamente pequena, em armação de ferro e revestida com uma rede tipo galinheiro. Lá dentro, estão vários cães amontoados uns em cima dos outros, visivelmente por falta de espaço e como é obvio em sofrimento. Talvez seja possivel uma pessoa pegar na caixa com algum esforço.

Quem me enviou o mail comenta-o com indignação e repulsa. Julgo que pelos mails que já recebi anteriormente com as mesmas imagens a verdadeira história (se for) é a de que os cães são supostamente encarcerados assim pois estão à espera, sem que o saibam, de ser abatidos. E tudo se passará não em Fátima mas algures na China.

Limito-me a observar as imagens que relatam o processo de transporte e abate de cães para depois serem esfolados, esquartejados e posteriormente cozinhados para alimentação humana. As pessoas que o fazem têm os olhos em bico o que persupõe serem chineses. Bem sei que pode não ser verdade mas que hei-de fazer? É uma mera tentativa do meu cérebro descurtinar e organizar uma determinada realidade, olhos em bico – chineses.

Não tenho nada contra os chineses. Só se eu fosse completamente idiota é que me iria aborrecer com os chineses. Talvez fosse mais fácil chatear-me com os ciganos por serem menos. Também não tenho nada contra os ciganos. Nem contra os muçulmanos. Nem contra os pretos. Nem contra os gays. Nem contra ninguém. Haverá uma ou outra excepção, mas de uma maneira geral eu vou aguentando todas essas variáveis minoritárias do ser humano, tendo em conta que para os chineses eu serei parte de uma minoria. É tudo relativo.

O meu avô, era eu pequeno, dizia-me que se os chineses resolverem espirrar todos ao mesmo tempo virados para este lado nós caímos ao mar. Ele foi veterinário para além de outras profissões e tinha “coluna vertebral”, termo caído em desuso, infelismente mas compreensivelmente. Aprendi com ele a minha relação com os animais. Tive essa sorte pois nunca o vi desrespeitar os animais na sua condição de animais que são. Hoje, não estando o meu avô presente fisicamente, está-o em consciência, na minha memória e no que ele me ensinou, mostrou e fez sentir. Chama-se educação.

Voltemos aos cães encarcerados à espera de serem abatidos. Concordo com o comentário que vinha com as imagens. De facto aquilo não é maneira de se tratar um ser vivo. Mas então e os frangos? Eu gosto de frangos. A sério. São giros, curiosos. Com aquela crista encarnada no alto da cabecita e como têm um olho para cada lado têm de andar sistemáticamente a mover a cabeça de um lado para o outro para verem em frente. Não são fáceis de educar de facto, mas há quem o faça que eu também já vi na internet.

Talvez ser humano seja isso. Uma estranha condição de colectivo, onde há bocas que comem cães e outras que comem frangos. Depois é uma questão de nos posicionarmos. É uma questão cultural e de sobrevivência... ou de gosto culinário. Sei lá.

Pessoalmente não quero acreditar mas talvez já tenha comido gato por lebre em algum restaurante chinês... ou cão.

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A mochila


Há tempos fui com a minha filha comprar uma mochila para ela levar os livros para a escola. É de uma marca estrangeira de mochilas daquelas vulgares de trazer às costas. É leve, de facto. A minha filha que é uma pessoa discreta quis a mochila num tom acinzentado se não me falha a memória. Entrámos na loja, ela escolheu-a e eu fiz o meu papel. Saquei do cartão mágico. Sim! Aquele cartão que serve para pagar sem dinheiro. Imaginem se de repente a banca ganhasse um virus qualquer generalizado e tudo deixasse de funcionar. Era o Carmo e a Trindade. Adiante.

A mochila custou quarenta a tal euros. Sim. Eu repito, quarenta e tal euros. Acham que gostei de dar tal quantia por uma mochila à primeira vista igualzinha à da loja do lado que custava só dez euros? Claro que me custou. Pessoalmente acho uma indecência. Mas, e pasme-se! A diferença é tão somente que esta mochila em concreto vem com uma garantia de trinta anos. A sério. Trinta anos. É pá! Trinta anos de garantia para uma mochila “escolar” é muita fruta. Vai servir para os netos, pensei.

Por outro lado e depois de verificar as particularidades da dita mochila, observei que as costuras são realmente fortes. Que os fechos de correr têm aparentemente uma certa robustez. Que as alças têm ar que aguentar uns bons quilos. E que o tecido com que a mochila é feito não obstante ser parecidissimo com o tecido das outras mochilas, tem de ser diferente. Tem de ser! Por quarenta e tal euros, tem de haver diferenças. Mesmo que eu, leigo na matéria no que diz respeito aos materiais usados na confeção de mochilas, não perceba nada do assunto, presumo que tem de haver diferenças. Custa-me aceitar que é só uma questão de moda e de marca. Não tenho a minha filha nessa linha de atitude social. Mas se for o caso compreendo-a lindamente.

Ela explicou-me que para a quantidade de livros que tem de levar todos os dias para a escola esta é a melhor mochila. E por falar em livros, hei-de perguntar à mãe da minha filha quanto custa o somatória de todos os livros escolares que ela precisa para este ano lectivo que vai começar. Eu que nasci no milénio passado, tinha um livro e duas sebentas. Depois com a revolução de 74 passei a ter muitos livros e cadernos (tinha dez anos à altura). E depois com o passar dos anos e com o amadurecimento da “democracia” passei a mudar de livros todos os anos. E a situação mantém-se até aos dias de hoje. Os livros que a minha filha usa não vão servir para o meu outro filho que é mais novo três anos.

Eu sei (toda a gente sabe) que é um “lobbie” violentissimo das editoras que vegetam à volta do ministério da educação e que no final até parece que as coisas são assim porque têm de ser assim. Mas não. A educação social é um negócios que gera milhões. Eu sei (toda a gente sabe). E também (toda a gente sabe) sei que o poder argumentativo e pesuasivo desses “lobbies” é tão violento, horrivel e pernicioso que vivemos neste estado de coisas aceitando-as como certas. Nem falarei do “Magalhães” que até me mete nojo. Adiante.

Há dias e sem que nada o fizesse prever o meu filho também quis uma mochila daquelas. Foi a mãe dele! De certezinha! Deve-lhe ter dito “Pede ao teu pai!”, claro! E pronto. As aulas vão começar e os meus dois filhos vão ser devidamente educados com mochilas de marca, livros cheios de gralhas com programas alterados, com greves de professores, e essas coisas próprias de um sistema democrático tão pernicioso quanto o é o “Caso Casa Pia”. Nem sei o que diga ou escreva. Faltam-me as palavras. Talvez tenha sido uma revolução pacífica de mais, não sei. Às vezes penso nisso.

Beijinhos e essas coisas,

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O dois de Maio


Há tempos e a propósito de uma pessoa amiga que está desempregada mas tem uma ótima vida, só que coitada, não consegue desfrutá-la, fui tentar perceber o que era de facto o trabalho. O “direito ao trabalho” é um conceito interessante para manter as pessoas num estado de ansiedade permanente para terem trabalho. É um desejo/necessidade incutidos. O curioso depois é que se contam pelos dedos das mãos as pessoas que são felizes com o trabalho que têm.

Levei algum tempo a perceber que o conceito em si não faz sentido. Ninguém devería ter de trabalhar a não ser que de facto quisesse. E também há os que só trabalham pois não sabem fazer mais nada- boa para eles. Havia de haver um dois de Maio. Isso é que era uma festa. Para celebrar o dia do não trabalhador, que se formos a ver há-os aos milhões. Vem aí o Inverno. Vai ser bonito.

Frases soltas copiadas da internet:

“A expansão portuguesa é indissociável da escravatura. O seu móbil não foi a difusão do cristianismo, nem tão pouco se centrou no ouro ou marfim, mas sim nos escravos. Eles eram a mão-de-obra que geravam a riqueza. O próprio Infante D. Henrique, em 1443, chama a si o monopólio da sua exploração.”

“O legislador português encara as férias não só como um gozo pessoal do trabalhador mas também como uma forma essencial para o desenvolvimento nacional. "...O direito a férias deve efectivar-se de modo a possibilitar a recuperação física e psíquica dos trabalhadores e a assegurar-lhes condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural.”

“À entrada de Auschwitz I lia-se (e ainda hoje se lê) as palavras: "Arbeit macht frei" (o trabalho liberta). Os prisioneiros do campo saíam para trabalhar durante o dia nas construções do campo, com música de marcha tocada por uma orquestra. As SS geralmente seleccionavam prisioneiros, chamados kapos, para fiscalizar os restantes. Todos os prisioneiros do campo realizavam trabalhos e, excepto nas fábricas de armas, o domingo era reservado para limpeza com duches e não havia trabalho.”


“Os Tempos Modernos de Charlie Chaplin em 1936. Um filme que marca um século inteiro. Filmado num período marcado pela grande depressão e pela luta do homem pela felicidade contra o trabalho escravo.”

“O trabalho é um fator económico. Usualmente os economistas medem o trabalho em termos de horas dedicadas (tempo), salário ou eficiência.”

“O teu trabalho será medido pelo suor do teu rosto! - Era a maldição de Jeová sobre Adão.”

“Num dia soalheiro de Verão, a Cigarra cantava feliz. Enquanto isso, uma Formiga passou por perto. Vinha afadigada, carregando penosamente um grão de milho que arrastava para o formigueiro. - Por que não ficas aqui a conversar um pouco comigo, em vez de te afadigares tanto? - Perguntou-lhe a Cigarra. - Preciso de arrecadar comida para o Inverno - respondeu-lhe a Formiga. - Aconselho-te a fazeres o mesmo. - Por que me hei-de preocupar com o Inverno? Comida não nos falta... - respondeu a Cigarra, olhando em redor. A Formiga não respondeu, continuou o seu trabalho e foi-se embora. Quando o Inverno chegou, a Cigarra não tinha nada para comer. No entanto, viu que as Formigas tinham muita comida porque a tinham guardado no Verão. Distribuíam-na diariamente entre si e não tinham fome como ela. A Cigarra compreendeu que tinha feito mal... Moral da história: Não penses só em divertir-te. Trabalha e pensa no futuro.”

Enfim... tento posicionar-me.

Beijinhos e essas coisas,