terça-feira, 24 de agosto de 2010

O emigrante


“Nunca te esqueças que a inveja é o defeito principal dos portugueses. Por isso toma cuidado sempre que fizeres as coisas bem feitas. Muitos dos que estarão à tua volta não pretendem valorizar-se para serem melhores do que tu, mas querem apenas que tu nunca tenhas condições que te permitam parecer melhor do que eles” – Francisco Salgado Zenha


Há tempos o meu irmão despediu-se do emprego que tinha.

Ele tinha um bom emprego. Umas condições de trabalho ótimas. A sério. Eu ainda estou um pouco perplexo acerca da sua tomada de posição. Despediu-se simplesmente. Nada de subsídios, nada de compensações, nada. O tipo ou é parvo ou é maluco. Ninguém no seu perfeito juízo se despede desta maneira nesta altura do campeonato. Ou não? Eu que me lembre e de cada vez que alguém é despedido, oiço falar em indeminizações que se me fossem entregues a mim eu nunca mais trabalhava na vida.

Pois o meu irmão e seguindo a linha de raciocínio para o qual eu e ele fomos educados, fartou-se. E quando uma pessoa se farta das duas uma ou toma comprimidos e alcool e pronto, ou muda de vida. Ele optou pela segunda. É o maior! Sendo ele meu irmão o que eu desejo às pessoas que o levaram a tomar esta decisão tão difícil e arriscada é doses massissas de amor. Algo que aprendi ao longo da vida. Nunca odiar quem nos quer mal. Ou até indo mais longe, amá-los e ter compaixão deles. É lindo!

Ele está ótimo. Tem gerido bem o tempo. Ele não é nada parvo. Tem passeado, relaxado e curtido este momento de paragem profissional viajando pelo país, cultivando as amizades que mantém e mantendo-se fiel aos amigos. Tiro-lhe o chapéu. O meu irmão é um tipo com objectivos precisos. Ele sabe o que quer.


Curiosamente e contra tudo, ou não, ele vai emigrar. Diz que está farto deste país. Que está farto de contribuir para o Estado, coisa que até compreende, mas que não aceita, por exemplo que se quiser ter filhos tenha de os increver no infantário antes mesmo de os ter. Ele não tem filhos ao contrário de mim que tenho dois. Talvez ele os venha a ter. Estará sempre a tempo. Quem sabe até os vai ter no país para o qual pretende emigrar. Sei lá. Se calhar eu gosto do meu irmão porque ele é meu irmão, parágrafo. O meu maior desejo para o meu irmão é que ele seja feliz. Melhor não se pode desejar, suponho.

Há tempos li algures que o Mourinho não quer voltar para Portugal. Calculo que se eles se encontrassem teriam imensas coisas em comum para conversar. Como eu os compreendo. Vou escutando por aqui e por ali que estamos a exportar as nossas mentes mais brilhantes. Tempos houve em que só exportámos mão de obra barata. Sinais dos tempos.

Talvez haja uma revolução. Já se fala nisso. Talvez desta vez possa ser de facto uma revolução. Em vez de cravinhos encarnados lançaremos as tradicionais pedras da calçada portuguesa para fazer juz aos portugueses que lutaram por Portugal, que nunca emigraram ou fugiram mas antes pelo contrário ficaram e aguentaram. Alguém tem que o fazer.

Vou-lhe pedir para me ir enviando uns postais. É giro.

Beijinhos e essas coisas,

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O Jacinto


Há algum tempo e não foi muito, se calhar até foi ontem. Um casal de jovens (neste caso um esquisito casal de homem/mulher), isto anda tudo trocado e não vá o diabo tecê-las é preciso ser especifico nesta coisa dos casais. Adiante, ele chamava-se Jacinto e ela Gertrudes. Ele bancário e ela dona de casa.

A Gertrudes era uma mulher prendada, boa dona de casa e boa esposa ou mulher (eu prefiro mulher). A casa sempre impecável e o jantar sempre à espera do marido. Melhor não podia ser. Vamos imaginar que era boa como o milho, dá mais interesse à história. A Gertrudes era uma mulher voluptuosa. Daquelas com um peito que parece uma máquina de passar o cartão de multibanco. Enfim... pareceres de homens, já sabem como é. E era doce. Ai.... tão doce.

Por outro lado, e o meu lado masculino não me permite uma apreciação emocional da coisa, o Jacinto, sem que eu saiba se é bonito ou não, dava nas vistas pelo seu porte atlético, postura sempre correta das costas, bem vestido e com as mão impecáveis. O cabelo propositadamante desarranjado e uma atenção especial para com os outros, sempre atencioso com as mulheres mas nunca deixando de transparecer o seu grande amor pela Gertrudes. Enfim, aos olhos dos outros e de eles próprios eles eram mesmo felizes. Daquelas felicidades que só se vêm nos filmes. Eram felizes todos os dias. Aquilo até chateava. Eram um casal sempre apaixonado. O Jacinto, ele era flores e bonbons, e banheiras cheias de águas de cheiro e pétalas de rosas. Jantavam sempre à luz das velas. E por mais que pensássemos, nunca se tornava enfadonho. Uma maravilha de casal. Uma inveja.

Um dia, julgo que terça-feira, o Jacinto sai de casa, despedindo-se da Gertrudes com um sentido e adocicado beijo nos lábios. "Adeus amorzinho". Por principio o Jacinto deixava sempre a mulher a dormir. Ele achava que era uma questão de justiça pelo tratamento que ela lhe dava todas as noites sem excepção. Aqui era um fartote e não vamos entrar em pormenores... Nessa terça-feira, portanto o Jacinto sai de casa e espera pelo elevador. Eles moram naquelas torres na Expo que parecem uns barcos mesmo por cima do centro comercial (deve ser ótimo deve). Todos os dias a mesma rotina. O Jacinto chama o elevador e depois de entrar carrega para a cave três. Ora como eles moravam no vigésimo segundo andar, aquilo era uma eternidade para lá chegar a baixo. Depois metia-se no seu carro de luxo de dois lugares descapotável e esperava meia hora só para sair da garagem. Um verdadeiro calvário, preço a pagar para se ter estatuto.

Nessa terça feira ao chegar ao carro dá conta que se esqueceu das chaves do carro. Fazendo o percurso inverso Jacinto volta a casa. Ora quando o Jacinto mete a chave à porta, a Gertrudes que contra todas as expectativas, já estava enrolada com o segurança do prédio, diz-lhe "Ai meu deus que vem aí o meu marido. Faz qualquer coisa" E ele fez. Os seguranças costumam ser assim uns tipos enormes cheios de musculos e sem pêlos e a cheirar a desodorizantes que na embalagem têm fotos de homens parecidos com eles. Mas... não sei bem porquê denotam no semblante alguma falta de sensibilidade ou lá o que é que eu não sei explicar. Adiante.

Enquanto o Jacinto se encaminhava para o quarto a fim de pegar nas chaves do carro, o segurança tenta meter-se debaixo da cama, mas ou a cama era baixou ou ele era enorme, tentou o armário e também não cabia lá. Os dois em pânico, ela deitada na cama tremia que nem varas verdes e o segurança sabia que o Jacinto era perito em Jujitsu e outras artes tais que cortava os bifes à chapada e pregava pregos à cabeçada.

A porta do quarto abre-se e o Jacinto acende a luz. Era uma daquelas luzes que sobem ou descem de intensidade. Ele de facto preocupava-se com esse tipo de pormenores, sempre preocupado com o bem estar da mulher. O segurança com a aflição e sem mais recursos planta-se num canto do quarto agaixado e nú. E foi por mero acaso que Jacinto reparou nele. Parecia um candeeiro de pé. Estático, imóvel. Não fossem as lágrimas do segurança que ao escorrerem pela cara e sobe o efeito da luz ténue mas forte o suficiente para devolver o reflexo, de facto Jacinto nem teria dado por ele. Mas deu. E quando deu, agarrou no interruptor redondo e rodou-o de modo a que se fizesse luz. E fez...

Olhou para a mulher, que espreitava por detrás da dobra do topo do lençol. Só se lhe via os olhos muito abertos e o cabelo mal amanhado. Voltou-se outra vez para o que parecia um candeeiro, outra vez para a mulher, suspirou, poisou a mala, as chaves e perguntou num tom calmo à mulher, apontando para o candeeiro (ou o segurança como preferirem), "O que é isto?"... A mulher, Gertrudes, deixa descair um pouco o lençol de modo a que o pouco som que lhe iria tentar reproduzir e num esforço inumano conseguisse alguma projecção e chegasse aos ouvidos do Jacinto - o cornudo. Não há volta dar, foi nesse preciso momento que a alcunha ficou e se manteve até hoje – Jacinto, o cornudo. E ela disse "É um robot."... ... ... "Um robot?", repetiu Jacinto. O candeeiro ía caindo mas manteve-se firme. "Mas um robot como? O que é que queres dizer com isto?". Após uma eternidade de dois segundas ela responde "É um robot para me ajudar na lida da casa, ainda não te tinha contado? Foi uma senhora muito simpática que o deixou cá ontem para uma demonstração grátis, mas se não gostas devolve-se já".

Curiosamente ou não o candeeiro, ou o segurança, que segurança não tinha nenhuma naquele instante... começa a empalidecer. Algo lhe dizia que era melhor fugir mas encontrando-se como veio ao mundo e tendo o Jacinto a barrar-lhe a entrado do quarto pouco podia fazer que não fosse deixar escorrer as lágrimas e o suor da testa. Por mais que pensasse nisso não conseguia imaginar-se transforma-se num candeeiro que naquele instante e contra tudo o que ele pudesse imaginar na vida era o que mais desejava naquele instante.

O Jacinto desaperta a gravata. Dá um jeito ao pescoço que faz estalar a estrutura óssea por três vezes e aproxima-se do segurança. Este mija-se. A mulher recolhe-se nos lençóis. O Jacinto despe o casaco e pendura-o levemente no cabide de madeira, daqueles de pé muito giros e cheios de estilo. Tira a gravata, desaperta a camisa, tira os botões de punho, e despe a camisa. Se alguma coisa o identificava com o candeeiro era a falta de pêlos, pois de resto o corpo do Jacinto estava coberto de tatuagens feitas no Japão por altura de uma visita que fez à família. O seu avô era descendente de uma família de Yakuza, era um tatuador prestigiado entre as máfias de Tóquio. As tatuagens que lhe cobriam o corpo representavam a bravura e coragem da família da qual Jacinto Chen era descendente. Algumas estavam cruzadas com cicatrizes de lutas em treino intenso. Depois desaperta o cinto e despe as calças. As cuecas, não é que interesse mas eram Hugo Boss, daquelas de licra bem justas e pretas, revelando que os atributos de Jacinto não estariam em mão alheias, ao contrário do segurança que naquela altura mais parecia uma mulher tal era a contracção do dito cujo.

O Jacinto despe as cuecas. A mulher não resiste e espreita só com um olho "Tu queres ver?" pensa ela. ‎"Ai maezinha" pensa o segurança. E... pegando no segurança em peso Jacinto posiciona-se de modo a sodomizar violentamente o candeeiro. No momento em que o agarra pelos flancos ouve-se uma voz robotica saída não da boca do segurança mas antes dos tesctículos. Era impossivel alguém proferir uma palavra que fosse com aquele tom de voz. Muito menos um homem, a não ser que uma parelha de bois lhe estivesse a passar por cima dos testículos. "Avariado, avariado", dizem os testículos do candeeiro. "Avariado? O que é isto?” pergunta Jacinto à mulher que estava já com a cara toda destapada e os olhos e a boca completamente escancarados. "Hã?... diz? o quê? como?" responde ela. "Sim! O que quer dizer isto do avariado?". A mulher que parecia estar a viver um sonho responde sem dar conta (às vezes o cérebro tem destas coisas, fica em modo automático, por mais que nos esforcemos não nos lembramos de determinadas coisas, e esta pelos vistos era uma das quais o cérebro dela estava a mandar directamente para o arquivo morto), "Olha, nem vais acreditar mas mesmo antes de entrares estava a trabalhar lindamente".

O Jacinto, que pela pratica das várias artes marciais que mantinha há já vinte e dois anos, inspira fundo, relaxa e carrega no botão de levantar o estore - modernices. Pareceram três horas, o que de facto nem chegou a meio minuto. Abre a janela e enquanto a mulher tenta proferir um som para lhe meter algum juízo na cabeça, mas que de nada lhe servia pois as cordas vocais ganhando vida própria recusavam-se a vibrar, Jacinto, mais uma vez pega no segurança como se de uma tábua de engomar se tratasse e com ele no ar aproxima-se da janela. Cada andar são sensivelmente três metros, vezes vinte, dá... ora... vinte vezes três... isso... sessenta metros.

Portanto e retirando um frame isolado do filme, como se de um filme se tratasse, temos um quarto de trato fino com cama de casal e armários embutidos com portas de espelho. Uma janela ampla e aberta. Uma mulher deitada na cama com ar de quem viu o diabo nu e com uma pila daqui à China. E dois homens numa posição duvidosa. Um a agarrar no outro. Coloquemos então o frame no lugar devido e continuemos a história. Jacinto agarra no segurança, portanto, e dispara para o ar "Avariado, ai é? Então fora com o robot". Pois nesse preciso instante e colocando de parte todos os preconceitos, tabus e outras coisas que um verdadeiro homem latino possa alvitrar, o segurança (ou candeeiro - como o entenderem), tendo em conta o instinto básico de sobrevivência e contra todas as expectativas, com a voz muitissimo bem colocada, diz "Tente novamente. crrrr. Tente novamente."

Conclusão: Ter sempre a mente aberta para novas experiências pode ser sinal de imensa sabedoria e instinto de sobrevivência.

Beijinhos e essas coisas

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A garrafa de dois litros de coca-cola


Há tempos preparava-me para ir para a praia. Um convite feito por duas mulheres. Eu estava parvo mas pensei, “que se lixe, vou”. Vesti o fato de banho, uma t-shirt imaculadamente branca, meti a revista no saco da praia já pendurado ao ombro e vou à cozinha lembrando-me que na noite anterior tinha deixado uma garrafa de dois litros de coca-cola no congelar por sugestão de uns amigos que vieram cá jantar. Ora, a garrafa estava estranhamente rija e o conteúdo congelado. Com o saco a tiracolo poiso a garrafa em cima da mesa na cozinha e por momentos reflicto, talvez já tivesse visto aquilo assim, uma garrafa de coca-cola congelada. Agarrei-a com cautela. Estava mesmo rija. Tentei desapertar a tampa. Nada. "Bolas", pensei "esta coisa está mesmo agarrada". Poisei o saco da praia e agarrei numa toalha das mãos.

‎"Não há-de ser a porcaria de uma tampinha deste tamanho que me vai vergar". Agarrei na base da garrafa de dois litros de coca-cola com uma ponta da toalha e com a outra ponta atirei-me à tampa "Tás tramada!", pensei. Num golpe seco mas decidido fiz rodar a tampa. Não sei mas julgo que terá rodado um quarto de volta. Começo a ouvir um som parecido com o que faz o spray do mata moscas. Isto vai, pensei. Esperei mais um pouco, talvez três ou quatro segundos, e enquanto apurava a atenção no som sibilante que saía da tampa da garrafa que entretanto agarrava firmemente com a mão, dou-lhe mais um quarto de volta. Nada.

Curiosamente começei a ver bolhinhas a subir por entre o gelo. Eu sei que o que derrete primeiro é o concentrado a que chamam coca-cola. Uma espécie de caramelo liquido que, quando era novo, uma das primas usava para fazer de bronzeador. Enfim... cada um com a sua. No fim quem gozava era o namorado. Adiante. Ah! E como era açúcar se não fosse o namorado, saía facilmente com a água. Tem lógica. Mas como referia antes as bolhinhas começaram a subir pela garrafa e o som aumentou um pouco. "Isto são 14h30. Ora às 15h20 tou na praia. Isto hoje não vai estar vento", pensei.

Passados, o quê? Três? Dois? Sabe-se lá. O tempo por vezes é relativo. Naquele momento pareceu parar. Talvez por momentos tenha perdido de facto a noção do tempo. Talvez o cérebro se recuse a acompanhar o tempo na medida em que não quer registar determinado tipo de acontecimentos. Quando era novo, um dia roubei o carro aos meus pais e acordei no hospital com a cabeça envolta em gaze. O cérebro não registou esse acontecimento. Chamam-lhe traumatismo craneano. É curioso pois ele esteve sempre acordado. Dizem.

Pois bem. A dada altura algo aconteceu. Dava jeito ter uma daquelas máquinas de filmar especiais que filmam tão rápido que depois até podemos ver em câmara lenta. O facto é que o tal caramelo de repente está a ser projectado por toda a cozinha. Toda! Tudo tinha aquele açúcar caramelizado. Inclusive eu e a t-shirt branca. A projecção da coca-cola fez-se por toda a área da cozinha, inclusive locais que em teoria não seriam acessíveis à fúria da besta. Dentro da torradeira por exemplo. As torradas feitas no dia seguinte cheiravam a caramelo. Não é mau. Foi preciso arrastar o frigorífico, lavar os bicos do fogão, lavar o tecto com lixívia, e mesmo assim ficou todo manchado, "Que se lixe", pensei, "Ninguém olha para o tecto". E passadas duas horas de extenuante e contrariada esfrega lá me dirigi para a praia. Quando lá chegei olhei bem para a cara das pessoas com quem fui ter e lembrei-lhes, a sorrir, da garrafa de coca-cola que tinham sugerido colocar no congelador para ficar fresca mais rápido. Foi assim uma espécie de ‎... A culpa foi vossa, estão a ver?

Não saberei se o liquido caramelizado serve ou não como bronzeador pois mal chegei à praia atirei-me logo para a água. Mas deu-me a experiência conhecimento para saber que para além do cuidado a ter com garrafas de coca-cola de dois litros no congelador, se acontecer algo parecido como Armagedão na cozinha, no dia a seguir, o que ficou na garrafa não sabe a nada. Uma porcaria.

Beijinhos e essas coisas,