Há tempos a minha vida mudou
outra vez. Sou daquelas pessoas que retém a memória da vida passada de acordo
com sensações. Hoje já me sinto mais confortável em aceitar que sou assim,
distraído com muitas coisas mas atento a outras. Normalmente estou mais atento
ao pormenor, ao detalhe, à diferença, aquela estranha sensação que sinto quando
confrontado com algo ou alguém. Reconheço que vivo de acordo com a soma do
legado indivisível, da experiência vivida, mas também da (felizmente)
curiosidade que nunca me deixou crescer. Não obstante cresci e sou um homem.
Moldado pela sociedade em que habito para me portar como um homem. Sejam quais
forem as opções políticas ou religiosas eu sou um homem e se não me portal como
tal sou um tolo. Um marginal, indigente, alguém que não age de acordo com as
normas estabelecidas pela maioria para que possamos viver em harmonia o mais
possível. Haverá sempre marginais para nos lembrar todo o espectro da génese
humana. Só assim se compreende a condição humana – pela diferença.
A minha vida mudou outra vez
porque assim teve que ser. Já com o Bernardo foi diferente. O Bernardo
interrompeu o que seria o normal curso da sua presença em quanto ser social.
Eventualmente ter-se-á transformado em outra coisa qualquer. Há quem acredite
nisso. Eu acredito, e acredito que há um Céu, chamemos-lhe assim. E que
enquanto eu cá andar o resultado das minhas vivências refletir-se-á algures.
Deve ser. A mim faz-me sentido que assim seja. Nem que seja pelo facto de ao
acreditar nisso tento ser o mais… como direi? O mais… como o meu avô. É isso,
se eu for como meu avô irei para o Céu com toda a certeza. O meu avô também
mudou de vida algumas vezes. Algumas eu vi, outras ainda não tinha nascido e
por isso ouvi. E ainda oiço através da minha mãe e de outras pessoas que falam
dele. Um homem íntegro e com “coluna vertebral”. Gosto dessa expressão. Sempre
a conheci e sempre a ouvi, curiosamente dita muitas vezes pela filha dele,
minha mãe – “Ou se tem ou não se tem coluna vertebral”.
Eu peco. Pequei e o mais
provável é voltar a pecar. É inerente à minha condição de ser vivo, de
ser-social, e não serão os pecados que cometi que não me deixarão entrar no
Céu, assim espero. Já as formigas, por exemplo, que também vivem em sociedade,
têm livre-trânsito, pois mas não têm inveja – simples! Trabalham para o bem
comum independentemente da sua condição. E é extraordinário pensarmos que se as
formigas fossem do nosso tamanho este planeta não chegava para elas – são
imensas. No entanto prevalecem independentemente do tamanho, estoicamente,
contra todas as probabilidades e sem que demos por isso. Já nós temos esta
terrível obstinação de competirmos sempre como se a vida disso dependesse. Ganhar
mais dinheiro, correr mais depressa, saltar mais longe, mais alto, nadar mais
depressa, aguentar mais tempo, como nos Jogos Olímpicos! Um espetáculo
internacional que põe à prova o “mais que tudo” do genoma humano – uma loucura!
O que pensarão as formigas disso? Haverá formigas a correr desesperadamente
para vencer as outras todas, para serem indiscutivelmente as melhores?
A minha vida tem sido uma
viagem, uma aventura cheia de experiências e sensações. Gosto de ser quem sou e
prevejo para mim mais coisas extraordinárias simplesmente porque estou vivo. A
partir de agora sei que quero ir para o Céu - quero mesmo. E para isso tenho
que ser uma boa pessoa enquanto cá andar neste corpo. Já outros coitados, não
compreendo. Era tão fácil. Bastava serem como as formigas e não serem invejosos
– simples!
Beijinhos,