segunda-feira, 16 de julho de 2012

A partícula de Deus



Há tempos aconteceu-me algo extraordinário, mesmo! Algo incompreensível, uma bizarra sucessão de acontecimentos de tal maneira inacreditável a infinita possibilidade de tal poder acontecer, que não conseguindo imaginar sem por sombra de qualquer dúvida o responsável de tamanha façanha, remeto para  Deus de modo a fazer-me entender… simplesmente!

Roubaram-me o carro! Suponhamos que é o nascimento de cristo, ok? Existe um antes e um depois, certo? Antes de me roubarem o carro e depois de me roubarem o carro. O carro apareceu entretanto. Foi um indigente que vive por ali na zona onde resido que agarrou a oportunidade do carro destrancado com a chave lá dentro e que durante dois meses e pouco viveu literalmente dentro do carro, até que foi apanhado. Para além do cheiro a corpo compreensível e alguma sujidade o facto é que estava tudo na mesma. O cinzeiro limpo, os postos do rádio, os óculos, tudo. Ora, seria suposto eu desejar qualquer coisa de mal ao pobre homem, mas não consigo. Será isto a compaixão?

Passados dois dias uma senhora a quem ajudo na estrada porque com a chuva fez um peão mesmo ali à minha frente, e depois de a ajudar diz-me que sou um anjo… no meio da autoestrada. Passados dias e numa ocasião completamente diferente, o meu irmão cruza-se com o meu carro a ser conduzido por alguém numa das ruas em que circulo diariamente. Duas vezes! É impressionante! Eu já tinha feito o funeral ao carro e o meu irmão cruzou-se duas vezes com o meu carro e não o apanhou. O meu irmão não é bêbado, ia com um amigo e os dois tiveram mais que tempo de ver que era mesmo o meu carro.


Entretanto e como já me aconteceu várias vezes na vida - o fim de uma relação - um vazio que fica, um sentimento de nada ou neste caso do fim de uma relação que deixou de ser amorosa para dar lugar a outra coisa. Ou a perda de um objecto, ou de um animal de estimação, ou de um carro, ou ainda e tomando como exemplo e com todo o respeito, um ente querido. Afinal de contas coitados daqueles que nunca experimentaram a perca de um amor, ou de algo. A vida compreende a morte, certo? Não é a morte que gera vida, mas antes a vida que até das cinzas renasce se for preciso. É a vida que permite a existência da morte. Assim sendo e com o tempo, o vazio daí resultante vai-se “arrumando” e o espaço dai resultante começa a aparecer do nada. Espaço para isto, tempo para aquilo, sei lá, é uma loucura de espaço e tempo. Uma pessoa depois do luto, renasce das cinzas. Sempre me deixou curioso aqueles homens ciganos que se vestem de preto e deixam crescer a barba. Há maneiras e maneiras de gerir as percas e fazer o luto. É preciso.

Ando feliz. Assim, de repente… Quer dizer, na altura não foi de repente mas agora até parece. No período em que o carro foi roubado questionei muito a existência de Deus. Era o que mais faltava se eu não pudesse questionar Deus, como algumas pessoas chegaram a comentar. Cada um fala com Deus como muito bem entender, querem lá ver? Adiante, pois no momento em que percebo que fiquei sem carro pensei – “Já que perco o carro e vou ter de sentir este vazio, termino também a relação. Algo há-de acontecer.” O Bernardo Sasseti faleceu entretanto, logo uns dias a seguir ao roubo. Fiquei mesmo furioso com Deus. Chamei-lhe nomes e tudo. Ele é parvo ou quê? Leva lá a porcaria do carro, mas o Bernardo? E a seguir a mulher do Miguel com um cancro. “Que se lixe o carro!” – pensei, e fiz-lhe o funeral e pronto! Até nem tinha vendido o outro, foi só voltar a trocar os documentos. Durante quatro anos juntei moedas para fazer uma viagem com os miúdos, mas optámos pelo carro e continuar a juntar moedas e afinal nem viagem nem carro. Continuei com a minha vida normal, mas envolto de pensamentos estranhos até sobre a minha própria existência. Fiquei mesmo triste.

No meio de todos estes acontecimentos os meus filhos vieram passar as férias comigo. Fico sempre muito preocupado com o bem-estar deles. Adoro estar com eles e quando estou com eles parece que fico patareco ou lá o que é. São dois filhos bestiais, seres humanos de exceção. Creio que têm sido eles que me têm ajudado com as suas opiniões e comentários e até sobre este assunto observo neles uma aceitação pacífica de todo o desenrolar destes acontecimentos. Para eles aparentemente não há drama nem mistério. Para mim tem sido uma viagem, ufa!

Por vezes ocorre-me uma frase que me lembro da missa cristã – “Ele está no meio de nós!”. Já tenho 47 anos e é óptimo. Dá-me experiência e alguma sapiência. É preciso ter anos de vida e experiências diversas e profundas. É preciso experimentar por exemplo Meditação, Tai Chi Chuan, Drogas, Tango, Cientologia, Cristianismo, Sexo, Budismo, profissões diferentes, relações diferentes, comida diferente, viajar, e mais, e mais, e mais... Fazer teatro, ter filhos, plantar árvores, construir casas, ler e escrever muito, e acima de tudo é preciso saber amar e ter a capacidade e humildade de aceitar que há coisas inexplicáveis. Talvez seja essa a verdade da própria existência de tudo – a inexplicabilidade da própria existência de um principio de tudo.

Aqui sentado na sala, sozinho… a escutar os relógios de parede que sem corda param dando a estranha sensação de que o tempo também pára, já nem compreendo se estou a escrever para mim ou para alguém. Sei lá… Isto não é fácil… Parece o Matrix… credo! Mas que Ele está no meio de nós, isso eu não duvido. É só apanhá-lo e vais ver - os números do euro-milhões, já para cá!

Beijinhos.

4 comentários:

  1. Realmente é o Normal que perdura (em surdina, como na Sonata Luar de Beethoven)e quaanod se pagar o sofrimento, ele lá está. O anormal será apenAs por UNS TEMPOS.

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  2. Obrigada pela partilha... é sempre excelente ler (ler-te?)

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