Há tempos aconteceu-me algo
extraordinário, mesmo! Algo incompreensível, uma bizarra sucessão de
acontecimentos de tal maneira inacreditável a infinita possibilidade de tal
poder acontecer, que não conseguindo imaginar sem por sombra de qualquer dúvida
o responsável de tamanha façanha, remeto para Deus de modo a fazer-me entender…
simplesmente!
Roubaram-me o carro!
Suponhamos que é o nascimento de cristo, ok? Existe um antes e um depois,
certo? Antes de me roubarem o carro e depois de me roubarem o carro. O carro apareceu
entretanto. Foi um indigente que vive por ali na zona onde resido que agarrou a
oportunidade do carro destrancado com a chave lá dentro e que durante dois
meses e pouco viveu literalmente dentro do carro, até que foi apanhado. Para
além do cheiro a corpo compreensível e alguma sujidade o facto é que estava
tudo na mesma. O cinzeiro limpo, os postos do rádio, os óculos, tudo. Ora,
seria suposto eu desejar qualquer coisa de mal ao pobre homem, mas não consigo.
Será isto a compaixão?
Passados dois dias uma
senhora a quem ajudo na estrada porque com a chuva fez um peão mesmo ali à
minha frente, e depois de a ajudar diz-me que sou um anjo… no meio da
autoestrada. Passados dias e numa ocasião completamente diferente, o meu irmão
cruza-se com o meu carro a ser conduzido por alguém numa das ruas em que circulo
diariamente. Duas vezes! É impressionante! Eu já tinha feito o funeral ao carro
e o meu irmão cruzou-se duas vezes com o meu carro e não o apanhou. O meu irmão
não é bêbado, ia com um amigo e os dois tiveram mais que tempo de ver que era mesmo
o meu carro.
Entretanto e como já me
aconteceu várias vezes na vida - o fim de uma relação - um vazio que fica, um
sentimento de nada ou neste caso do fim de uma relação que deixou de ser
amorosa para dar lugar a outra coisa. Ou a perda de um objecto, ou de um animal
de estimação, ou de um carro, ou ainda e tomando como exemplo e com todo o
respeito, um ente querido. Afinal de contas coitados daqueles que nunca
experimentaram a perca de um amor, ou de algo. A vida compreende a morte,
certo? Não é a morte que gera vida, mas antes a vida que até das cinzas renasce
se for preciso. É a vida que permite a existência da morte. Assim sendo e com o
tempo, o vazio daí resultante vai-se “arrumando” e o espaço dai resultante
começa a aparecer do nada. Espaço para isto, tempo para aquilo, sei lá, é uma
loucura de espaço e tempo. Uma pessoa depois do luto, renasce das cinzas.
Sempre me deixou curioso aqueles homens ciganos que se vestem de preto e deixam
crescer a barba. Há maneiras e maneiras de gerir as percas e fazer o luto. É
preciso.
Ando feliz. Assim, de repente…
Quer dizer, na altura não foi de repente mas agora até parece. No período em
que o carro foi roubado questionei muito a existência de Deus. Era o que mais
faltava se eu não pudesse questionar Deus, como algumas pessoas chegaram a
comentar. Cada um fala com Deus como muito bem entender, querem lá ver? Adiante,
pois no momento em que percebo que fiquei sem carro pensei – “Já que perco o
carro e vou ter de sentir este vazio, termino também a relação. Algo há-de
acontecer.” O Bernardo Sasseti faleceu entretanto, logo uns dias a seguir ao
roubo. Fiquei mesmo furioso com Deus. Chamei-lhe nomes e tudo. Ele é parvo ou
quê? Leva lá a porcaria do carro, mas o Bernardo? E a seguir a mulher do Miguel
com um cancro. “Que se lixe o carro!” – pensei, e fiz-lhe o funeral e pronto! Até
nem tinha vendido o outro, foi só voltar a trocar os documentos. Durante quatro
anos juntei moedas para fazer uma viagem com os miúdos, mas optámos pelo carro
e continuar a juntar moedas e afinal nem viagem nem carro. Continuei com a minha
vida normal, mas envolto de pensamentos estranhos até sobre a minha própria
existência. Fiquei mesmo triste.
No meio de todos estes acontecimentos os meus filhos vieram
passar as férias comigo. Fico sempre muito preocupado com o bem-estar deles. Adoro
estar com eles e quando estou com eles parece que fico patareco ou lá o que é.
São dois filhos bestiais, seres humanos de exceção. Creio que têm sido eles que
me têm ajudado com as suas opiniões e comentários e até sobre este assunto
observo neles uma aceitação pacífica de todo o desenrolar destes acontecimentos.
Para eles aparentemente não há drama nem mistério. Para mim tem sido uma
viagem, ufa!
Por vezes ocorre-me uma
frase que me lembro da missa cristã – “Ele está no meio de nós!”. Já tenho 47
anos e é óptimo. Dá-me experiência e alguma sapiência. É preciso ter anos de
vida e experiências diversas e profundas. É preciso experimentar por exemplo
Meditação, Tai Chi Chuan, Drogas, Tango, Cientologia, Cristianismo, Sexo,
Budismo, profissões diferentes, relações diferentes, comida diferente, viajar,
e mais, e mais, e mais... Fazer teatro, ter filhos, plantar árvores, construir
casas, ler e escrever muito, e acima de tudo é preciso saber amar e ter a
capacidade e humildade de aceitar que há coisas inexplicáveis. Talvez seja essa
a verdade da própria existência de tudo – a inexplicabilidade da própria
existência de um principio de tudo.
Aqui sentado na sala,
sozinho… a escutar os relógios de parede que sem corda param dando a estranha sensação de que o tempo também pára, já nem compreendo se estou a escrever para mim ou para alguém. Sei
lá… Isto não é fácil… Parece o Matrix… credo! Mas que Ele está no meio de nós,
isso eu não duvido. É só apanhá-lo e vais ver - os números do euro-milhões, já
para cá!
Beijinhos.
Sem palavras ... continua ...
ResponderEliminarRealmente é o Normal que perdura (em surdina, como na Sonata Luar de Beethoven)e quaanod se pagar o sofrimento, ele lá está. O anormal será apenAs por UNS TEMPOS.
ResponderEliminarBeautifullllll....
ResponderEliminarObrigada pela partilha... é sempre excelente ler (ler-te?)
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