sábado, 23 de outubro de 2010

Os cinco dedos


Há tempos e à conversa com uma amiga que soube recentemente que está grávida percebi que nunca irei compreender a Mulher. Nem eu nem uma data de homens que escrevem sobre elas, escreveram ou hão-de continuar a escrever. Não que me farte de tentar entender o lado feminino que confesso também ter no meu ser, mas porque por vezes sou confrontado com questões curiosas que me fazem voltar à estaca zero do que eu pensava já saber sobre a Mulher.

Eu idolatro a Mulher. A Mulher para mim é o centro do mundo. Por mais que eu escrevesse, pintasse, cantasse, fizesse o que quer que fosse nunca me fartaría da Mulher. A Mulher tem algo que a faz ser única, como todos os seres vivos que geram vida - a Mulher gera vida. Dê lá por onde der, faça ela o que fizer a criação de vida começa dentro do corpo da Mulher. E isso, para mim que sou curioso, deixa-me de rastos. Nunca irei na minha vida experimentar essa sensação. Carregar no ventre, dentro de mim, outro ser humano. É simplesmente fascinante. Adiante... sou homem.

Mas essa minha amiga, escrevia eu, a dada altura da conversa que estávamos a ter, já não me lembro bem porquê, refere o facto de ter algum receio que pudesse ter posto em risco a boa formação do ser que está a gerar pois sem que o soubesse teve de tomar analgésicos por causa de uma pequena cirurgia no primeiro mês de gravidez. E por causa disso a conversa avançou comigo a dizer-lhe que não fosse parva, que não pensasse nisso e essas coisas faceis de dizer a quem está de fora, claro! Mas a dada altura, fez-me recordar a mãe dos meus filhos que no dia em que a Maria nasceu, quando a vi pela primeira vez deitada ao lado da mãe, assim pequenina, toda enrugada e meia cinzenta, mas igualzinha à mãe (parecia a sua fotocópia reduzida), me pergunta assim do nada: - “Quantos dedos tem nos pés? Já contaste?”

Se estás a ler e és homens talvez nunca te passasse pela cabeça tal questão mas curiosamente e pelo que percebi da conversa que tive com essa amiga, é corriqueira essa duvida e preocupação em algumas mulheres que dão à luz. Mesmo depois de fazerem várias ecografias e saberem que está tudo bem, pelos vistos, e talvez pelo enorme esforço e dor por que passam no acto de parir, fixam-se na quantidade de dedos que aquele novo ser possa ter nos pés. É curioso... Vá-se lá entender. É que podiam perguntar quantos narizes têm, ou se tinha três orelhas, ou três nadegas, mas não! Ao que parece a preocupação mais corrente é saber a quantidade de dedos dos pés.

Eu como homem e pai nunca me ocorreria uma coisa dessas. No meu caso e não serve de exemplo, soube que os meus filhos eram perfeitos antes de nascer. Era impossivel que não o fossem. E digo perfeitos para mim. Talvez não sejam perfeitos para todos. Mas para mim são. Mas soube-o de facto no dia em que lhes peguei ao colo. Lá me ocorreu pensar se tinham cinco dedos ou o que quer que fosse! Que coisa tão parva!

É por essas e por outras que continuarei a tentar entender a Mulher sabendo de antemão que nunca a irei entender. E provavelmente é por isso mesmo que ela me fascina. É um poço de surpresas. O mundo sem a Mulher seria com toda a certeza uma tristeza profunda e infinita... Credo!

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O logótipo MSC


Há tempos estava sentado numa estação de combóios no Porto ou lá perto e vejo sentada num banco ao lado uma senhora parecida com a minha avó Alice. É curioso como há um tipo de senhoras parecidas com a minha avó Alice. Também há outras parecidas com a minha avó Elvira. Mas esta é parecida com a avó Alice. Gosto de observar. É um hobbie meu. Observar. E de repente percebo que era nem mais nem menos que a Filipa Vacondeus. Aquela senhora que a dada altura da minha vida aparecia na televisão a falar sobre culinária. Como ela me faz lembrar a minha avó Alice. Olha que se calhar até foram amigas. Sei lá. Parece mesmo.

Fui direito a ela. Nestas coisas eu não me envergonho. Se ela me “incomoda” enquanto estou a ver televisão em minha casa certamente não levará a mal se eu a incomodar para lhe dizer pessoalmente como a admiro. Assim foi. Só que em vez de lhe perguntar cordialmente se ela era a Filipa Vacondeus, enganei-me e perguntei-lhe se ela era a Maria de Lurdes de Modesto... Estraguei tudo. “Essa é a outra!” – respondeu ela. Ora bolas! Às vezes mais valia estar quieto. Ainda lhe disse que ela me fazia lembrar a minha avó. Pior a emenda que o soneto. Não se diz uma coisa dessas a uma mulher tenha lá ela a idade que tiver. "Olhe! Você é parecida com a minha avó." - que ainda por cima já morreu há uma série de anos. Adiante.

Num jornal semanal de referência do qual não direi o nome mas que tem uma revista chamada “REVISTAÚNICA”, reparo em duas páginas – a 100 e a 101, com um artigo sobre culinária. As revistas gostam desse tipo de artigos. É assim uma espécie de momento relaxante, uma espécie de tentativa de empatia com o leitor, uma bica depois do almoço. “Eles” sabem-na toda. Ora quem escreve esse artigo é nem mais nem menos que um rapazito chamado Jamie Oliver... Espera! A ver se eu percebo. Com tanta história culinária que temos. Com tantas freiras a fazer doces conventuais. Com tantos pescadores a cozinhar peixe fresco. Com tantos Micheles e Marias de Lourdes Modestos. Com tanta gente a fazer coisas tão boas e tão saudáveis à vista, ao olfato e ao palato. Com tanta mestria popular para elaborar pratos simples mas com aromas tais que nos fazem sonhar com Portugal, estejamos até na lua. Com tantas misturas de sabores trazidos dos quatro cantos do mundo...

... em destaque e sobre a foto que ilustra uma mistura qualquer que ele para ali inventa com maçã cozida, passas, flocos de aveia semi-crus, sementes de girassol, iogurte e outras coisas que se vendem empacotadas e que cá se dão aos hamsters, enfim... Como dizia, em destaque, assim tipo um postite amarelo sobre a foto, ele escreve o seguinte, e pasme-se que foi traduzido, revisto e impresso... valha-me deus nosso senhor, que não tem nada a ver com o assunto, mas de facto já não há mais a quem recorrer: “As dicas de Jamie - É importante para mim (diz ele) consumir peixe de viveiros de qualidade. O que devo escolher? Procure o logótipo MSC nas embalagens de peixe. O Marine Stewardship Council só certifica peixe proveniente de viveiros e tanques de qualidade”... O Marine o quê???

Caro Nicolau Santos: conhecemos-nos à vários anos. Dez? Quinze? Sei lá. O tempo passa. Peço-te que não permitas estas coisas no “teu” jornal. A sério pá. Em nome dos meus filhos não faças o que outros fizeram com o PÚBLICO, por exemplo. Sê diferente. As pessoas não são parvas. Com tantas coisas boas em Portugal não permitas que na “tua” revista se publiquem receitas como “Crumble crocante de maça e canela” ou “Creme de ovos com uísque”... Uísque, pá! Lê lá isto em voz alta – UÍSQUE ... Valha-me todos os poderes do universo.

Só me lembra o Medina. Isto só lá vai à chapada. Credo.

Beijinhos e essas coisas,

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ser profissional


“Aquacultura ou aquicultura é a produção de organismos aquáticos para uso do homem. A maricultura refere-se especificamente a aquicultura marinha, enquanto a piscicultura refere-se ao cultivo de peixes principalmente de água doce.”

Há tempos fui ao supermercado Continente comprar duas douradas. As douradas distinguem-se em três tamanhos - pequenas, médias e grandes. Li na revista Pró-teste que as de aquacultura são melhores que as de mar. Concordo.

Tirei uma senha para “peixe amanhado”. Pressupõe que vão tirar as escamas e as tripas. Chegou o meu número - 49. Sorri para a senhora – pela vestimenta – peixeira. Perguntei-lhe qual era a diferença entre as douradas que estavam do lado direito do balcão e as douradas que estavam do lado esquerdo. Respondeu-me que as da esquerda eram de água doce e que as da direita de água salgada.

“As douradas habitam os mares tropicais e temperados (nas partes mais quentes), sendo relativamente abundantes no Mediterrâneo e Atlântico, na costa portuguesa.”

De água doce? - perguntei. Mas olhe lá, as douradas não vivem em água doce! - retorqui. Ao que ela respondeu que aquelas vivem. Eu não queria acreditar, estava a ser atendido por alguém que não compreende a enormidade da impossibilidade da sua resposta. Entretanto uma outra senhora vestida também de peixeira e que amanhava outro peixe ía ouvindo a conversa. Eu olhei para ela e perguntei-lhe – Desculpe. As douradas vivem em água doce?... Ela sorriu.

Enquanto a primeira ouvia a explicação da segunda fui informado que as douradas não vivem em água doce mas que a água onde elas são criadas é doce. E que depois de se acrescentar sal é que se colocam lá as douradas. Tanques com água doce ao qual se adiciona sal para criar douradas? Com tanta água salgada? Aqui há gato. Calei-me. Foi imperativo. Esta mania que eu tenho de meter conversa com as pessoas... Trouxe as douradas amanhadas, grelhei-as e estavam ótimas.

A questão da peixeira e do que ela sabe sobre as douradas é impressionante. Alguém a admitiu para ocupar aquele posto de trabalho. No entanto ela tem, com a vestimenta que lhe deram, todo o ar de uma profissional altamente competente. E é assim... Ao que parece existe para aí um monte de gente que está a ocupar lugares para os quais não estão bem preparadas. Nós sabemos isso. Elas sabem isso. Nós sabemos que elas sabem. Elas sabem que nós sabemos e pronto. É uma fórmula muito bem conseguida em que não há responsáveis. Mas há-os que eu sei. E eu também sei onde é que eles estão. É só uma questão de tempo. Se não for à paulada há-de ser pela ordem natural das coisas, hão-de morrer. O que me preocupa no entretanto é que os próximos são iguaizinhos ou ainda mais pedantes.

Tantas vezes me lembro do Saramago e do seu “Ensaio sobre a lucidez”, tantas. E nesse ninguém falou. Óbvio.

Beijinhos e essas coisas,