Nasci.
Passado um tempo e quando tinha a vossa idade o mundo era perfeito. À porta do prédio onde eu vivia passavam rebanhos de ovelhas e eléctricos daqueles amarelos velhinhos. Depois da escola, chegava a casa, largava a bata azul e a chave de casa pendurada num cordel à volta do pescoço, e ía jogar à carica com os meus amigos. E ao berlinde, e ao pião e aos polícias e ladrões. E jogávamos futebol e andávamos de bicicleta e de carrinhos de rolamentos. E no fim do dia a vossa avó chegava à janela e chamava-me para eu ir para casa ajudar a fazer o jantar. Descascar os alhos, cortá-los às fatias fininhas e alourá-lo no azeite a ferver. Lavar o arroz, escorrer e vertê-lo para cima do tacho e não ter medo de deitar o dobro da água tal é o barulho que aquilo fazia. Deitar o sal, pôr o gás no mínimo e esperar vinte minutos. E fazia muitas outras coisas que ela me foi ensinando, sempre. Talvez por causa da vossa avó nunca precisei de nenhuma mulher para me tratar do que quer que fosse a não ser respeitar e amar. Por outro lado essa “independência” permite-me observar a mulher/mãe, geradora de vida, como a coisa mais extraordinária que existe. Adiante.
Vocês nasceram.
Dei-vos os primeiros banhos, mudei-vos as primeiras fraldas, fiz-vos as primeiras papas. A primeira vez que vos cortei as unhas fez logo sangue, bolas! Foi só um bocadinho mesmo junto à unha e vocês fizeram caretas. Tratei dos vossos umbigos até caír o que restava do que vos ligou à vossa mãe enquanto ela vos transportou na barriga. Adorava dar-vos banho na banheira amarela de plástico. É curioso como os bébés têm um cheiro enebriante. Fui para o hospital quando vocês tiveram febres e diarreias. Entrei aos berros pelo gabinete da médica dentro quando ela queria que eu esperasse mas eu sabia que não podía esperar. Enquanto passeavamos pelos parques vocês começaram a andar. Sempre achei importante que vocês estivessem o mais possivel em contacto com a natureza. E que saibam ao que cheira a terra depois de chover ou ao que soa o silêncio ou o mar. E que observem as nuvens passar lentamente à frente da lua cheia. E que haja o que houver a sapiência é uma virtude inestimável. Tenho-vos visto crescer física e mentalmente e estou feliz por vos ter na minha vida. Desejo que vocês sejam tão felizes quanto eu sou. E o pai que eu sou hoje devo-o muito à vossa avó.
A minha mãe cuidou de mim como se cuidam as plantas. Regando-a todos os dias. Tratando-a com amor e carinho sem hesitar cortar as folhas velhas nas alturas certas. E se alturas houve em que a planta parecia querer parar de crescer ela nunca desistiu de a regar. E essa planta cresceu e já deu frutos que são vocês. E eu aqui no meio, olho para a minha mãe e para vocês e faz-me sentido que a vida seja assim, naturalmente simples, maravilhosa e contínua.
É por isso que eu nasci. Para viver, ser feliz e ter os meus filhos.
Beijinhos e essas coisas,
Um dia um amigo meu apresentou-me o Zé.
ResponderEliminarÉ bom ter amigos!
quem é o zé?
ResponderEliminarAtravés do empresário (ou melhor do produto do empresário) conheci esta forma de expressão. Fantástico. Obrigada
ResponderEliminaroutra vez? mas qual empresário? :-)
ResponderEliminarHoje, dia dos avós, reli o teu texto ...
ResponderEliminarJá o tinha lido e na altura achei-o tão bonito que neste dia tinha que o reler novamente!
Parabéns à tua Mãe- a Avó - que te fez ser a pessoa extraordinária que és!
Parabéns uma vez mais!
Gostei!!!
ResponderEliminarSenti tudo, embora mulher, senti tudo o que escreveste.
Que bom que gostaram!
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