domingo, 13 de julho de 2014

O meu vizinho Bruce


Há tempos, parei de escrever. Talvez porque precisasse de ter saudades de escrever. Ajuda-me a ponderar sobre as coisas. Ao escrever os pensamentos são forçados a organizar-se, pois a escrita não consegue acompanhar os pensamentos. Pelo menos eu. Falta de motivos não terá sido com toda a certeza, vivemos momentos extraordinários, e todos os dias somos violentados com informação sobre assuntos que nem imaginávamos que existiam e ainda opinamos, não deixa de ser curioso. Tenho-me sentido nessa pele, ou, tenho tido consciência de que ela está sempre presente e que me quer sufocar. É uma luta diária para não comprar o que nos querem vender, sejam produtos, ideias, modas, etc, etc, etc…

Daí que me tenho enclausurado num mundo que preparei para o que sabia que aí vinha, e sendo eu como sou, sabia que ia sofrer as consequências das minhas escolhas, e tenho sofrido, e ainda bem, prefiro assim. É uma questão de “coluna vertebral” chamemos-lhe assim. Ou se tem ou não se tem e cada um sabe da sua, mas o facto é que se nota, sente-se, e por vezes, muito poucas, sejamos justos, concluímos que tínhamos razão, estamos a ser governados por pessoas malévolas, venenosas, esquizofrénicas e mentalmente doentes, e quando a cúpula é assim, o que daí para baixo vem não há-de ser melhor, antes pelo contrário. E sejamos honestos, não sendo transversal à sociedade portuguesa, não deixa de estar imensamente ramificada, acabando por nos tocar a todos de uma ou de outra forma. Foi a ganância que nos levou onde chegámos recentemente. O bolo-rei comido à dentada frente à televisão talvez para fazer passar a mensagem que que o que era preciso era encher a boca e pronto. Agora até a Merkel vem dar bitaites sobre o BES. Ao que chegámos de atraso em todas as frentes. Aliás, este Cavaco Silva foi das piores coisas que nos podia ter acontecido, mas é o que é e não deixa de ser o reflexo de alguns, não da maioria. De todo!



Não menos importante, se pensarmos bem é o facto de eu ter um vizinho no andar de cima chamado Bruce. Um pacato, não se dá por ele. Está quase sempre à janela, às vezes uiva quando vê um coelho ou uma perdiz no monte, mas por que o dono está a trabalhar fora, ficou ele sozinho na casa. E quando digo sozinho é mesmo isso. Vai lá uma pessoa todos os dias tratar dele, mas o facto é que de há meses para cá o ritual mantem-se podendo afirmar-se que quem mora lá é um cão. E é! Tenho pena que ele não fale… ou não. Talvez seja essa a ideia, ter por companhia um vizinho que me observa diariamente e nada me diz. Se faço bem ou mal. Nada. Nem uma crítica ou comentário. Está ali, no alto, a observar. E é enorme, um Rottweiler, mas nem se dá por ele. Quer dizer eu já dou. Sempre que vou lá fora olho para cima e às vezes lá está ele, outras não. É conforme lhe apetece. Ele olha para mim, como eu olho para as formigas, de cima, sempre. Seria interessante saber o que ele pensa das minhas alfaces, da minha couve e dos meus tomates cherry. O que é que ele pensa dos meus filhos, dos meus amigos e acima de tudo, o que é que ele pensa de mim. Mas não. É um cão, não fala, nem por gestos. Às vezes ladra, mas é tão raro que é como a trovoada, é só muito raramente. O que é que as formigas pensarão de mim?

É curiosa a vida. Eu gosto de pensar que nas infinitas possibilidades de eu poder existir ou não, coube-me em sorte a existência neste meu corpo que se vai conservando em condições não obstante o mal que lhe fiz na juventude. Hoje felizmente, a idade ajuda-nos, mudei radicalmente. Estou mais consciente de estar vivo. E cada dia, por causa disso tem-se tornado maior. As pequenas coisas também são importantes, e para elas é preciso ainda mais tempo, que é coisa que parece que não temos mas é uma ilusão. Nós temos todo o tempo que quisermos. É a verdadeira consciência dele que nos permite entender a nossa singularidade – somos nada na grandeza do universo, e no entanto há por aí cada ser humano mais imprestável! Enfim… é como as ervas daninhas e os sinais na pele - fazem parte do todo.


Beijinhos.