Há tempos a vida estava exactamente como está neste momento – uma confusão! A vida social em Portugal,
claro, não a vida normal do dia a dia, que não obstante estar a alterar-se
inexoravelmente, que quem trabalha o campo sente nitidamente que o lugar do tempo
da natureza não coincide com o que vem no calendário, e como uma mudança nunca
vem só, cá estamos nós em Portugal a viver momentos extraordinários em que
parece que se tenta arrumar a despensa parecendo à primeira vista que está
vazia mas não está, havendo prateleiras de facto vazias mas outras
inexplicavelmente cheias. Ao que parece existem duas realidades distintas em
que o primeiro jura a pés juntos que a vida vai ser melhor enquanto outros
vaticinam um futuro tão negro mas tão negro que até parece que o sol é estúpido
em aparecer para dar alguma alegria às pessoas.
Talvez se deve esta enorme
diferença à maneira como somos preparados para a vida e o que aceitamos como
sendo a realidade. O facto é que após quarenta e oito anos de vida continuo sem
perceber por que raio é que me dá para ver as coisas desta maneira tão
simplista confesso mas como de outro modo se poderiam ver as coisas. Vou-me
sentindo anormal, “ernesto” (que significa pior que honesto), estúpido
basicamente, por não conseguir compreender que a sociedade é assim e pronto.
Sinto-me inconformado, o que convenhamos não é muito saudável. Mais valia não
ter viajado, não ter visto outros exemplos de como gerir uma sociedade. Mal ou
bem o grau de felicidade existente nessas sociedades é muito superior quando
comparado com, espera, com as sociedades do sul da Europa? Mas então, espera
lá, não é no sul da Europa que estão as praias? As miúdas giras? Os desportos
náuticos? O surf e as miúdas giras? Então é por isso que não se entende. Deve
ser.
Tenho um amigo que vai andar
de bicicleta com mais duzentos amigos ao Sábado de manhã, uns atrás dos outros
horas a fio, vestidos de licra preta, e capacete, e ténis ou lá como chamam
aquilo, e aparelhos para medir a velocidade, as pulsações, a gordura. Enfim, no
conjunto a três mil euros por cabeça, nessa manhã talvez andassem ali pelo meio
da mata seiscentos mil euros sem contar com os seguros de vida, que cada um
vale conforme a capacidade de cobrir determinado contrato de seguro de vida.
“C’est la vie”, diria o outro, que em português significa, para os que nunca
aprenderam a língua mais gaysola que por aí há, “Estava, estou e estarei sempre
tramado enquanto for governado por esta cambada de incompetentes que não
sabendo nada da vida que não seja dinheiro ainda não entenderam que podem facturar milhões praticando uma governação positiva.” Mas não. Inexplicavelmente
vá-se lá perceber porquê, é fino ir andar de bicicleta com os amigos ao Sábado
de manhã. Faz bem à saúde, defendem uns, oxigena os músculos, dirão outros. Vá
lá que fazem desporto mas e ao que parece fazer desporto pode custar uma
fortuna, credo.
Talvez alguém me possa ver
como um tipo de esquerda, daqueles que defendem posições de esquerda, sobre
assuntos de esquerda, com ideias de esquerda. Sinceramente sinto-me de direita,
seja lá o que isso possa significar, mas prefiro ser limpo a sujo. Prefiro um
concerto sem pó do que outro em que se chover é só lama. Enfim, há de haver um
meio-termo pois eu não sei onde me enquadro mas sei que é lá para o meio. Sinto
que entre os que dizem que havia de ser de uma maneira e os que dizem que havia
de ser de outra, ainda há uma terceira maneira. Tem de haver. Levar um
cacilheiro forrado de bordados e outras coisas até Veneza para a Bienal pode
ser giro. E depois? O que fazer com os tachos, e os corações feitos com
talheres de plástico, e os ferros de engomar, e os malfadados tampões?
Era porreiro ir tudo por
atacado até Veneza. O barquinho com o Presidente, a mulher do Presidente, os deputados, os
ministros, os motoristas dos ministros, os adjuntos dos secretários, os conselheiros, os amigos deles, o Mexia e por aí abaixo que são mais que as
mães, o Mário Soares, o Sócrates e por aí acima, a filha do
presidente de Angola, o Zenal Bava, o major Valentim (que devem-lhe ter apertado os calos de tal
maneira que nunca mais se ouviu falar dele – faço ideia!). Vem aí o Verão mais
uma vez, ou na melhor das hipóteses aquela altura do ano em que o tempo está
mais quente. Nós bem tentamos que o tempo haja de acordo com o calendário, mas
e se o tempo mudar? Esta coisa de alterarmos a hora tem de acabar, não faz
sentido absolutamente nenhum. Credo!
Beijinhos.